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Parasita: lições do filme para escritores

O famoso “o livro é melhor que o filme” vez em sempre aparece nas discussões mais calorosas sobre como uma mesma história foi contada em diferentes formatos – das palavras impressas às produções audiovisuais. 

Há quem defenda o cinema com unhas e dentes e os que prefiram as imagens projetadas pela imaginação através da leitura. Nunca haverá um único vencedor e precisamos admitir que, no fim de toda a matemática, as histórias existem para que sejam contadas – independente do formato, idioma, cor ou continente. 

O vencedor do Oscar de 2020 está aí para provar que  precisamos dar palco às diferentes narrativas. O filme coreano “Parasita”, dirigido por Bong Jonn-ho, foi premiado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Filme Estrangeiro. Pela primeira vez na história do mundo uma produção com idioma original diferente do inglês foi o grande vencedor da estatueta dourada. Nada mal, né?

O roteiro é exclusivo do cinema, mas com tantos destaques (e pioneirismos) o mínimo que podemos fazer é tirar a prova real. Isto é, fazer o caminho inverso do tradicional e explorarmos algumas das características utilizadas pelos coreanos para tornar essa história a primeira da história a ganhar um Oscar – e imaginar como seria traduzida em livro. 

A partir daqui o texto contém spoilers sobre o filme!

Trailer e Sinopse do filme Parasita:

De acordo com o site adorocinema.com:

“Toda a família de Ki-taek está desempregada, vivendo num porão sujo e apertado. Uma obra do acaso faz com que o filho adolescente da família comece a dar aulas de inglês à garota de uma família rica. Fascinados com a vida luxuosa destas pessoas, pai, mãe, filho e filha bolam um plano para se infiltrarem também na família burguesa, um a um. No entanto, os segredos e mentiras necessários à ascensão social custarão caro a todos.”

Se você não viu o filme, leia a resenha completa para compreender a análise feita pelo Clube de Autores.

A Lei de Tchekhov e o Filme Parasita: 

Tchekhov dizia que, se um revólver aparecesse em uma cena qualquer, é porque ele eventualmente seria disparado. Essa lei se aplica tanto a livros quanto a filmes. De acordo com o russo, as histórias deveriam ser construídas a partir de causas e consequências, sem espaço para elementos desnecessários que poderiam distrair leitores e telespectadores. 

O escritor segue uma linha de pensamento um tanto quanto radical, mas que pode ser aplicada em diferentes contextos, principalmente no planejamento de uma narrativa, onde é necessário montar um quebra cabeças de acontecimentos, criando uma sequência lógica de fatos. Fica muito mais fácil declarar um tiro de revólver se ele já apareceu em cena antes, não é?

E é partindo deste princípio que faremos a análise do filme Parasita: observando causas e consequências que podem até passar despercebidas aos olhos mais desavisados, mas que têm grande impacto na construção da crítica social apresentada no roteiro. Vamos lá? 

Análise do filme Parasita: Lei de Tchekhov e reflexões escondidas

A Pedra

No início da trama Ki-woo, o filho mais jovem dos Kim, é presenteado pelo amigo Min-hyuk com uma rocha – um suposto talismã para atrair riquezas. A rocha não tem poderes mágicos e pode parecer deslocada da história em alguns momentos, mas tem um papel importante no desfecho da narrativa.

Tomando para si a responsabilidade da confusão em que a família se meteu, Ki-woo carrega a pedra até a casa dos Park, levando-a até o porão onde estão a ex-governanta e seu marido, com o objetivo de matá-los. Quando tudo dá errado, o jovem acaba sendo acertado com o talismã na própria cabeça, causando um ferimento quase letal – e libertando o homem que vivia no bunker – que sai em busca de vingança. 

O talismã que supostamente deveria atrair riquezas acaba sendo uma pedra no sapato dos Kim, pois representa a ambição por uma vida melhor, que os leva até a família Park e, no fim, acaba reforçando ainda mais o contraste social entre os envolvidos.

O encontro no bunker

Em uma noite, quando os Park saem para acampar, a família Kim invade a mansão para aproveitar a ausência, bebendo e comendo à vontade. Neste momento, a antiga governanta (Gook Moon-gwang) pede para entrar, alegando ter esquecido algo no porão. 

Desconfiada, a nova governanta (mãe dos Kim) abre a porta e acaba descobrindo que o porão era, na verdade, onde o marido de Gook Moon-gwang se escondia há quatro anos de cobradores de dívidas que ameaçavam matá-lo. 

A partir daí todos os esquemas são revelados e inicia-se um duelo entre os dois grupos, ambos lutando para conquistar a vaga de “parasita” na casa dos Kim. Durante a disputa, o marido da ex-empregada revela sua admiração pelo dono da casa e como se acostumou a ficar escondido – fato que parece completamente estranho a Kim Ki-taek, pai dos Kim. 

No fim do filme, após todos os trágicos acontecimentos, Kim Ki-taek acaba escondido no porão por tempo indeterminado e conta ao filho, através de código morse, que acabou se “acostumando” a viver ali, exatamente como o rival tinha feito.

Código Morse

Por falar nisso, quando Ki-woo é contratado para dar aulas de inglês à filha dos Park, Yeon-Kyo (mãe dos Park) conta que seu filho mais novo tinha sido inscrito como escoteiro para ser disciplinado. Neste momento, Ki-woo revela que também havia sido escoteiro durante a infância. 

Novamente o roteiro não dá ponto sem nó: essas informações acabam sendo essenciais já que ao longo da história os moradores do porão utilizam código morse em uma tentativa de comunicar-se com os meninos. Se não fossem escoteiros, de que outra forma poderiam compreender a mensagem?

Chuva e inundações

O contraste social é apresentado nas sutilezas. 

Quando os Park voltam do acampamento do filho por conta de uma forte chuva, o menino resolve montar sua tenda no quintal de casa e passar a noite ali. Seus pais preocupam-se mas, em seguida, recordam que a barraca foi importada dos Estados Unidos e que, portanto, não deixaria a água da chuva entrar. 

Em paralelo, os Kim retornam para casa em meio a tempestade e descobrem seu bairro embaixo d’água. Com tudo inundado, tentam salvar alguns poucos pertences e precisam passar a noite em um abrigo. 

No dia seguinte, a Yeon-Kyo convoca seu motorista particular (Kim Ki-taek) para ajudá-la com os preparativos para a festa de aniversário do pequeno Park. Enquanto liga para os convidados avisando sobre o evento, a mãe comenta com as amigas o quanto está agradecida pela chuva da noite passada – pois graças a ela o dia amanheceu ensolarado e perfeito para uma festa no jardim.

Todos esses acontecimentos reforçam a diferença de classe entre as famílias e servem como gatilho para despertar o ódio em Kim Ki-taek – que, no fim, explode esfaqueando o pai dos Park. 

Bônus: como criar um final inesperado

Quando o filme encaminha-se para os minutos finais e parece que teremos um desfecho clássico em que tudo termina bem, com o filho dos Kim comprando a mansão dos antigos patrões para libertar o pai do bunker, a narrativa revela que tudo não passa da imaginação de Ki-woo, que continua em sua casa no bairro de baixa renda, com sequelas do trauma na cabeça e que o pai, provavelmente, nunca será resgatado. 

Ou seja: o roteiro dá aos telespectadores exatamente o que se espera somente para retirar o gostinho doce depois, deixando a história com cara de realidade. Sobre isso, o diretor explica: 

“É muito cruel e triste, mas eu pensei que estava sendo real e honesto com o público. Você sabe e eu sei – todos sabemos que esse garoto não conseguirá comprar aquela casa. Eu apenas senti que a franqueza era a coisa certa para o filme, mesmo que seja triste”

Conclusão

Os acontecimentos do filme parecem improváveis. Como uma família enganaria a outra e passaria a trabalhar sob o mesmo teto sem que os patrões desconfiassem? Ou então, como um homem poderia viver por quatro anos no porão de uma casa sem que ninguém nunca descobrisse? Esses fatos fazem com que a história fique interessante, mas distante de uma realidade possível. 

É por isso que o ouro está escondido nas entrelinhas. Enquanto a narrativa segue, os contrastes sociais ficam mais evidentes, os motivos que levam a família Kim a infiltrar-se na casa também acabam fazendo sentido. E, por fim, até o assassinato do pai da família Park parece justificado depois de todos os desdobramentos. Afinal, quem nunca acabou torcendo pelos vilões que atire a primeira pedra. 

E você, que lições narrativas consegue tirar do premiado Parasita? Conta pra gente nos comentários =) 

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Ricardo Almeida

Sou fundador e CEO do Clube de Autores, maior plataforma de autopublicação do Brasil e que hoje responde por 27% de todos os livros anualmente publicados no país. Premiado como empreendedor mais inovador do mundo no segmento de publishing pela London Book Fair de 2014, sou também escritor, triatleta e, acima de tudo, pai de família :)

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