Anton Tchekhov foi responsável por uma das regras mais famosas no universo literário, conhecida como “Arma de Tchekhov” – um recurso muito utilizado também no cinema para conectar início, meio e fim do enredo.
O que é a Lei de Tchekhov?
Tchekhov dizia que, se um revólver aparecesse em uma cena qualquer de uma história, é porque ele eventualmente seria disparado.
Histórias, ao menos sob a ótica do mestre russo, não tinham espaço para elementos supérfluos, para desnecessidades. Nas histórias, tudo devia ser calculado, medido, intercalado em uma relação simbiótica de causas e consequências.
Tudo devia ser construído para conduzir a concentração do leitor pela imaginação do autor: qualquer possível desvio, qualquer brecha deixada por descuido poderia soprar a imaginação do leitor para longe, fazendo-o criar versões paralelas repletas de “se’s” e costurar hipóteses que seriam, em essência, estradas abertas para a total perda de interesse no enredo real.
O que a lei tem a ver com o livro 1Q84?
Tchekhov morreu em 1904.
Anos depois, um outro mestre da literatura, o japonês Haruki Murakami, publicou a sua obra prima 1Q84 – uma espécie de thriller psicometafísico tão impressionante que as suas 1.500 páginas terminam quase que em um susto só, deixando um surpreendente gosto de “quero mais”.
Em um ponto específico da história, um personagem entrega um revólver para uma amiga mencionando a “Lei de Tchekhov” e, portanto, profetizando que ela eventualmente atiraria em alguém. Ela teria que atirar, afinal.
E há oportunidades para isso. Inúmeras.
A personagem, Aomami, chega a um ponto em que a arma vira quase uma extensão de seu próprio corpo. Mas… o livro chega ao fim e o revólver nunca cumpre o papel para o qual foi criado.
Alguns podem argumentar que, talvez, o papel do revólver tenha sido justamente esse: o de representar algo, de agregar alguma sensação de segurança para guiar a personagem pelo sempre tenso enredo. Talvez a sua própria existência tenha sido uma espécie de fim em si mesmo.
O fato, no entanto, é que tanto na arte quanto na vida as histórias são invariavelmente resultados dos seus tempos.
Como o contexto social influencia as obras?
Na Rússia do final do século XIX – a mesma de Tolstoi e Gorki, diga-se de passagem – a vida real era tão rústica e prática que uma arma não disparada simplesmente não faria sentido em nenhuma história: geraria estranheza, angústia, incômodo. No passado, tudo tinha um motivo de ser, um destino a ser cumprido – e a arte, enquanto mímica da vida, não poderia ser diferente.
Hoje, nossos tempos são outros.
Hoje, lemos livros enquanto prestamos atenção na estação de metrô que devemos saltar, assistimos à televisão enquanto navegamos no Facebook e escrevemos as nossas histórias enquanto absorvemos as críticas feitas em tempo real sobre seus trechos inacabados.
O autor de hoje é tão multitarefa quanto seu leitor: vive escolhendo, a cada piscar de olhos, a que deve prestar atenção e o que deve ignorar. Hoje, portanto, todos estamos acostumados não a uma, mas a toda uma coleção de “desnecessidades” supérfluas nos cenários das nossas vidas reais. Nossas vidas reais, arriscaria dizer, são muito mais recheadas de coisas supérfluas do que de elementos que realmente fazem parte dos nossos destinos.
O próprio conceito de destino mudou: de algo pré-determinado e imutável ele se metamorfoseou em algo essencialmente volúvel, dependente das pequenas escolhas nossas de cada dia.
No mundo de Tchekhov, um revólver não faria sentido se não fosse disparado. Era a finalidade que definia o ser, o objeto.
No mundo de Murakami, no nosso mundo atual, basta que um revólver exista para que sua função seja cumprida. O objeto em si é também a sua própria finalidade.
E isso muda toda a forma com que interpretamos as grandes obras dos nossos tempos de uma maneira revolucionária, somando sutilezas nos enredos que tendem a acrescentar muito mais sentido a cada capítulo, a emprestar muito mais realidade à ficção.
Para quem costuma achar que a “boa literatura” já estava morta (algo infelizmente corroborado por fatos como Bob Dylan receber o Nobel ou José Sarney ser membro da Academia Brasileira de Letras), é bom despir-se de preconceitos e ler novos livros com novos olhos.
As obras primas de hoje são muito mais complexas, sutis e densas que as do passado: os novos autores estão revolucionando a literatura como em nenhum outro tempo da nossa história. Justamente por isso democratizar o acesso aos livros e à publicação é tão importante – o que só é possível através da publicação independente e da isenção de impostos para produção e comercialização de obras, tornando-as mais baratas e populares entre todas as camadas sociais.
O que isso tudo importa para você, escritor?
Simples: seja simples, mas não simplório, na construção de seus cenários e de suas tramas. Se quiser , acrescente objetos que sirvam apenas para agregar valor ao contexto — mas cuidado para não deixar o seu leitor perdido, com uma interrogação presa na mente. Você não precisa seguir à risca a Lei de Tchekhov, mas isso não significa que precise também desprezá-la completamente.
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Bom dia, fiquei muito chateado e decepcionado com esse site, comprei um livro, manual tecnico de fiscalização de transito, no dia 22/10/2016 pela divulgação, deveria ser atualizado, portanto quando chegou foi um livro completamente desatualizado, gostaria de PROVIDÊNCIAS.
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