Fiquei me perguntando, dia desses, o que aconteceria (ou acontecerá?) com o mundo se o Trump realmente construir o seu muro. Sim, é óbvio que isso afetará mais a relação entre México e EUA do que entre quem quer que seja… mas será também o símbolo de uma mudança dramática na história da humanidade.
Por que? Porque mudanças são simbolizadas por marcos, por manifestações físicas de pensamentos polêmicos. O muro de Berlim, ingrato antecessor da ideia de Trump, teve esse papel: ao isolar diferentes culturas, ele simbolizou diferentes enfoques culturais e políticos e gerou toda uma pletora de conflitos e histórias. Símbolos e muros são como o pontapé inicial de uma dialética hegeliana: há a tese, cria-se uma antítese fisicamente separada dela e, depois de muita filosofia sobre divisões e uniões, chega-se em uma síntese nova.
Como humanidade, ficamos na ingrata posição de perder no curto prazo (uma vez que cismas entre povos dificilmente trazem benefícios) e de ganhar no longo prazo (uma vez que experiências, inclusive as malfadadas como creio que será a do muro, tendem a ampliar o nosso conhecimento sobre nós mesmos).
Mas o mais curioso é que símbolos, quando tangibilizados, servem apenas para oficializar pensamentos que já são generalizados. Olhe para o mundo distante: Brexit, polêmicas em torno dos imigrantes muçulmanos, fanatismo religioso, Estado Islâmico. Todos esses movimentos são fruto de uma crescente intenção de povos se juntarem em comunidades que pensem de maneira semelhante para se isolarem do resto do mundo (a quem condenam aos brados).
Olhe para o mundo próximo: as eleições para presidência no Brasil, vencidas por Dilma Rousseff, foram marcadas por discursos do ex-presidente Lula pregando o “nós contra eles” e posicionando o seu eleitorado como inimigo do “outro Brasil”, o “Brasil das elites”. Dilma pode ter sofrido o impeachment pouco tempo depois (por outros motivos), mas não se pode ignorar que foi esse discurso incendiário que conquistou os votos decisivos para que ela se consagrasse vitoriosa nas urnas.
Fora das eleições, há movimentos crescentes de separatismo, por exemplo, da região sul do Brasil – um dos quais já tem até mascote e abaixo-assinado com dezenas de milhares de apoiadores.
Aliás, nem precisamos ir tão longe: olhe o seu próprio Facebook. Seja por brigas entre esquerda e direita ou entre defensores de grafite ou da limpeza urbana, o fato é que as discussões estão cada vez mais inflamadas independentemente das suas causas.
O resumo de tudo isso: a era da informação, ao invés de nos unir enquanto povo, está nos separando em comunidades de fanáticos. O muro do Trump é, repito, apenas o símbolo mais dramático de um pensamento que, com maior ou menor força, já está presente na quase totalidade das pessoas.
Nos posts que faço aqui no Clube eu costumo olhar tudo sob a ótica da produção literária – mesmo porque isso é, afinal, um blog de literatura. Farei o mesmo, então.
Kafka foi filho de uma era de ruptura de pensamento social. Machado de Assis também. Como eles, em diferentes eras de ruptura, tivemos ainda Nietzsche, Proust, Shakespeare. Tivemos muitos, muitos gênios que produziram obras primas que questionaram tudo e, ao fazer isso, nos catapultaram para níveis intelectuais cada vez mais elevados.
A que conslusões isso nos leva?
O muro do Trump e esse segregacionismo generalizado podem ser as verdadeiras portas do inferno para sociedades de todo o mundo, abrindo caminho para que a humanidade mostre o que tem de pior. Mas, por outro lado, temos tudo para crer que já estamos testemunhando, em nosso cotidiano, lançamentos de maravilhas literárias que serão verdadeiros presentes para as futuras gerações.
Histórias, afinal, não hão de faltar nesse nosso caótico mundo de sociedades fanáticas.