José Saramago é, sem a menor sombra de dúvidas, um dos meus maiores ídolos literários. Retifico: é um dos meus maiores ídolos. Ele está lá, pairando pelo meu Olimpo pessoal juntamente com Kafka, Tolstoi, Guimarães Rosa, Machado de Assis e um punhado de outros mestres que iluminaram minha vida com suas letras.
No caso de Saramago, sempre considerei que havia dois protagonistas onipresentes em obras primas como Caim, Ensaio sobre a Cegueira ou as Intermitências da Morte: os enredos fantásticos e a língua portuguesa.
Sua forma de escrever, suas frases intermináveis recheadas por vírgulas, a falta de fôlego imposta pela pontuação acelerada, tudo contribuía para dar um ritmo inimaginável aos textos. Era seu estilo, dizia a mim mesmo.
Até que, por conta da Fábrica de Historinhas, projeto que lançamos recentemente em parceria com uma editora portuguesa, me deparei com livros escritos em, digamos, “lusitanês”. Um dos meus papeis era adaptar os livros infantis escritos em português de Portugal para o português brasileiro – e confesso que imaginei que me depararia apenas com uma simples tarefa de tradução de termos como “fixe” ou “giro”. Ledo engano.
Sabe o que encontrei em cada uma das histórias? O mesmo estilo de Saramago, as mesmas frases aceleradas a ritmos alucinados, as mesmas regras gramaticais que julgava particulares, características de um estilo inconfundível.
Pois é: não era o estilo de Saramago que estava a me encantar por todos esses anos e sim a gramática portuguesa, com todas as suas regras de concordância e pontuação que em nada têm a ver com as nossas.
“Traduzir” livros infantis de um português para outro me fez entender que, apesar de não ser necessário fazer um curso para ler em “lusitanês”, histórias geradas por escritores de lá do além-mar tem esse tipo de tempero a mais que muda todo o ritmo dos textos. E, se isso fez com que Saramago perdesse um pouco do brilho (embora ele o tenha de sobra, devo acrescentar), fez também com que toda uma nova porta se abrisse para mim.
Que tal, de repente, conseguir ler autores em seu idioma original, diferente do “brasileirês”, sem precisar fazer um curso? Fantástico.
Estou, agora, à caça de portugueses para a minha biblioteca pessoal como quem descobre novas espécies de histórias para enriquecer vocabulário, imaginação, coração.
Descoberta empolgante, essa.