Filhos de um país gigante isolado de essencialmente todos os seus vizinhos pelo idioma e pela geografia, nossos mais de 200 milhões de habitantes que constituem uma espécie de mercado ensimesmado dão uma sensação esquisita, meio míope, de auto-suficiência.
Na primeira vez que comentei com um colega sobre todo esse processo de internacionalização, aliás, ouvi de volta um típico “para quê sair do Brasil se há ainda um mercado tão grande a ser trabalhado aqui?”
Curiosidade: um dos personagens mais famosos d'Os Lusíadas é o Velho do Restelo - um senhor mal humorado que foi ao porto, na despedida das naus de Vasco da Gama, para condenar e praguejar os aventureiros por deixarem seu país, que ainda tanto tinha a se desenvolver, em busca de mundos novos tão incertos. Tivessem os navegadores dado ouvido e cedido à sempre conservadora zona de conforto, Portugal jamais teria experimentado seu momento de glória e, provavelmente, teria atravessado os tempos como o que era à época: um dos mais empobrecidos e isolados países da Europa. Velhos do Restelo, ao que parece, existem em todos os momentos. Cabe a nós dar ou não ouvidos a eles.
Mas, voltando ao post, esse conflito entre ampliar a presença no mercado atual e abrir novos mercados é mais imaginário que real. Nem preciso me valer do exemplo do Velho do Restelo: nossa presença no Brasil segue com a mesma força e empenho, inclusive com um volume de novos lançamentos que jamais tivemos no passado. Por outro lado, a vinda para cá tem trazido ares de inovação poderosíssimos: novos contatos e parcerias, novas tecnologias para ampliar distribuição, novos públicos para nossos autores etc. Há, em essência, dois grandes benefícios ao se fincar âncoras em um novo continente: a óbvia abertura de um mercado até então inexistente e o aproveitamento de ideias, tecnologias e conexões desse mesmo novo mercado para os autores e leitores do mercado atual. E essas positividades, esses ganhos, de longe superam qualquer risco. Novidades oxigenam, renovam, reenergizam.
E uma das positividades mais importantes, se assim puder chamá-la, é essa queima do sinonismo entre mercado e geografia.
Antes de vir para cá, varri intensamente o mercado em busca de gráficas que pudessem suportar uma operação de impressão 100% sob demanda como é a nossa. Parece simples, meu caro colega autor… mas asseguro-lhe que não é. A tecnologia e a metodologia necessárias para imprimir, em escala, altos volumes de livros unitários, é algo muito mais sofisticado do que costuma crer a nossa vã filosofia. Fiz dezenas de reuniões; incontáveis benchmarks; zilhões de conexões. O resultado? Nenhum.
Até que um amigo me recomendou olhar mais adiante e deixar de traduzir fronteiras como barreiras. O resultado: um punhado inteiro de opções perfeitas de gráficas logo ali, na Espanha, a poucos quilômetros e muitos acessos daqui. E o melhor: as vias logísticas são tão eficientes que o tempo para se enviar um livro de lá para cá – ou de lá para qualquer outro país da Europa – é menor do que o necessário para se cruzar fronteiras estaduais no Brasil. É de lá da Espanha que nossos livros sairão – tanto os publicados por autores europeus quanto os publicados pelos já tantos autores brasileiros que encontrarem mercados aqui.
Logisticamente falando, a operação em si parece já encaminhada. Fiscalmente falando, montaremos bases aqui e em outro país para aproveitar benefícios que nem imaginava existentes. Tecnologicamente falando, nosso time de desenvolvedores piauienses dá um show incomparável – mas já estamos nos beneficiando de novidades incríveis vindas de Portugal, da Itália, da Alemanha.
É inclusive na Alemanha que negociaremos uma série de acordos de distribuição com canais europeus em outubro, quando acontecerá a Feira do Livro de Frankfurt, considerada a mais relevante do mercado editorial mundial.
A jornada, portanto, nos fez perceber que nosso destino nunca foi um país; foi um continente inteiro.
O colega autor pode imaginar que a globalização independe de estarmos aqui ou aí, que poderíamos facilmente aproveitar todas essas benesses sem sair do nosso CEP de origem bastando um pouco de pesquisa e wifi… mas a realidade sempre costuma ser mais cinza do que preta e branca.
Porque se, por um lado, todo o mundo está mesmo digitalmente interconectado, por outro ainda existe toda uma gama de portas que guardam conexões, relacionamentos e outros universos que só podem ser destrancadas presencialmente. E isso é ainda mais verdade em um continente cujo grau de hábito digital é inegavelmente menor que o do nosso país de origem, já tão imerso em seu metaverso primordial.
Estamos agora, pois, multipresentes. Nossa travessia, ainda longe de ser terminada, abriu caminho não apenas para um novo país, mas para um continente inteiro definido pela mescla de culturas, de credos, de raças, de línguas, de pensamentos, de caos. E não é justamente do caos que nasce a inovação, que nascem as novas ordens? Embarquemos rumo a elas.
Há uma questão que não pode ser deixada de lado: apetites por inovação e descobrimentos costumam sempre ser maiores que a capacidade de abocanhá-los.
Sim, temos um universo de novas possibilidades altamente promissoras esperando para ser exploradas… mas, com recursos finitos, seja em investimento ou em pessoas, o cultivo na Europa precisa ser feito ao mesmo tempo que a colheita no Brasil. Ou, em outras palavras, o desenvolvimento de novas frentes não pode deixar em segundo plano o crescimento da nossa operação matriz, original, do Brasil onde pulsa o coração do Clube de Autores. Não há árvore que cresça sem uma raiz bem cuidada.
E como fazer isso? Como lidar simultaneamente com os desafios de hoje, de amanhã e de depois de amanhã? Há uma metodologia que seguimos com esse foco e que tem sido altamente eficaz – mas deixemo-la para o post da semana que vem.
A ser continuado na próxima terça-feira
Acompanhe a jornada do Clube de Autores para novos mercados, em tempo real, neste link: www.clubedeautores.com.br/jornada
Adquiri o livro do Professor Valdemir França, Garota Coca-cola, e amei. A narrativa de um bonito romance que tem como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial. Encanta-me, a leveza com que aprendemos fatos importantes da nossa História, num momento tão trágico, enquanto nos envolvemos num romance tão bonito como o de Jojó. De quebra, aprendi que Recife foi mais importante do que pensava.