conto de fadas livro

Como criar um personagem para o seu livro?

Não há como conceber boas histórias sem bons personagens.

Não devemos generalizar, mas pare e pense um pouco: quais livros realmente entraram para a história com personagens simplistas, superficiais e pouco críveis? Pouquíssimos.

E há um motivo óbvio para isso.

Histórias são sempre formadas por muitas questões históricas, linhas de tempo cruzadas de personagens que incluem os passados individuais que os formaram, os encontros que fundiram contextos, as possibilidades de futuro que se desdobram nas tramas e mais.

Assim, por mais fantasiosa que seja uma obra, acreditar na profundidade de determinado personagem, no seu realismo condizente com o bom senso geral, acaba sendo fundamental para que um livro vá além de um punhado de páginas soltas.

E não estamos falando aqui apenas do protagonista. Falamos de todos! Absolutamente todos os que compõem uma obra, por mais coadjuvante que este personagem que ele seja.

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Como os personagens são criados? Segundo Milan Kundera:

Segundo o mestre Milan Kundera, autor do best-seller A Insustentável Leveza do Ser, publicado originalmente em 1982, os personagens não nascem de um corpo materno como os seres vivos, mas de uma situação, uma frase ou uma metáfora que contém em embrião de possibilidade humana ainda não descoberto ou sobre o qual nada de essencial já foi dito anteriormente.

Ficou com vontade de imprimir a frase e colar na testa pra nunca mais esquecer, né? Sabemos bem como é!

Mas calma que tem mais: em sua obra mais popular, o autor explica que o que mais lhe atrai em relação aos seus próprios personagens é que muitos ultrapassam fronteiras que ele não foi capaz de cruzar – e é justamente aí ele próprio termina e que seus personagens começam. Ou seja, suas “próprias possibilidades, que não foram realizadas”.

Se você já leu A Insustentável Leveza do Ser, sabe bem sobre a genialidade do autor e se não leu ainda, aproveita essa dica pra se apaixonar pelos personagens da obra!

A Lei de Tchekhov e a necessidade de relevância em todos os elementos da história

Um dos maiores dramaturgos da humanidade, o russo Anton Tchekhov, descreveu uma espécie de “lei literária” que diz que, se uma arma aparece sobre uma mesa na segunda cena de uma peça, é porque ela fatalmente será disparada até a quarta cena.

Há uma lógica nisso: todo e qualquer elemento inserido em uma história acaba fatalmente “servindo” para algo e levando o leitor a uma expectativa ou conclusão sobre algo. Há pouco espaço para inutilidades em um livro – em grande parte porque desviam o foco e acabam gerando desinteresse do leitor na medida em que ele vai se perdendo na trama.

O mesmo raciocínio deve ser aplicado a personagens. Aqueles que aparecem e somem de uma história praticamente sem causa efeito na trama, deveriam ser eliminados.

Colocando de outra forma: se há alguém na história, esse alguém deve cumprir algum papel, ainda que secundário; e se há um papel a ser cumprido, esse mesmo alguém, precisa ser minimamente crível pelo leitor.

homem sentado mexendo no laptop

Como garantir a densidade de um personagem?

A primeira resposta é tanto óbvia quanto inútil: pelo bom senso. Ela é óbvia porque tudo em um bom argumento depende do bom senso; ela é inútil porque, normalmente, todos sempre acreditam piamente que são os únicos detentores domador bom senso do mundo, o que invariavelmente joga o conceito na lata de lixo.

Mas há algumas práticas que podem ajudar bastante, incluindo:

1. Coerência

Personagens são seres, humanos ou não, dotados de características que os fazem agir de uma determinada maneira ao longo de uma narrativa.

O que os move, o que faz com que eles ajam de uma ou de outra maneira, quase sempre tem a ver com as suas próprias personalidades. Esse é um ponto de suma importância: as personalidades de cada personagem precisam ser bem definidas e mantidas ao longo da trama.

Veja, não é que uma pessoa vingativa por natureza não possa se arrepender e agir de uma maneira mais altruísta – praticamente todas as histórias do Charles Dickens tem uma ou outra mudança drástica de comportamento de um ou mais de seus personagens-chave. Todos podem mudar – mas desde que os motivos, os gatilhos para uma mudança de comportamento, sejam nítidas e fortes o bastante para justificá-la.

Em outras palavras: estamos falando de coerência. Se não garantirmos que nossos personagens não tenham coerência, perderemos nossos leitores.

escrever um livro

2. Passado

Sendo personagens, eles também costumam ter os seus próprios passados: suas coleções de pequenas (ou grandes) vitórias e derrotas pessoais que, no final das contas, acaba formando os seus caráteres.

Não precisamos sempre descrever o histórico de um personagem à exaustão – mas precisamos, ainda que para nós mesmos, ter claro esse passado como maneira de garantirmos que manteremos a sagrada coerência.

3. Contexto e momento

Todas as pessoas do mundo mudam de acordo com as circunstâncias. Pegue a mais bondosa das criaturas e coloque-a na mais dramática e negativa das situações e certamente algumas gotas de egoísmo aparecerão até como maneira de sobrevivência.

Respeite essa tridimensionalidade, esse contexto que pode curvar ou mudar qualquer personalidade.

Mas, em paralelo, construa cada contexto como uma soma de momentos. Evite catapultar personagens para dentro de uma história assim, no susto, sem respeitar as regras mínimas do bom senso. Introduza-o na história com coerência, garantindo as circunstâncias percebidas como mais realistas para a sua presença.

Leia mais: como escolher o nome do seu personagem?

E, claro, dê motivo para a sua presença (observando a Lei de Tchekhov) e crie as devidas conexões entre ele e os demais personagens.

Contexto e momento: muito do sucesso de uma história depende desses dois fatores.

Questionário para a construção de um personagem

Se você respeitar esses três elementos acima (e observar a sagrada Lei de Tchekhov), serão imensas as chances de ter em seu livro personagens sólidos, densos e críveis.

Mas há ainda como ir um pouco além. Tome qualquer personagem seu e tente enquadrá-lo no questionário abaixo. Se quiser, você pode até responder formalmente a ele (nem que seja para os personagens principais como forma de garantir mais realismo a eles) – mas, normalmente, basta que consiga endereçar cada uma das questões mentalmente.

Se conseguir fazer isso, perfeito. Seu livro estará muito mais próximo do sucesso.

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Então, questione-se:

  • Qual a necessidade do personagem para a história?
  • Como ele é?
  • Como ele muda ao longo da história?
  • Quais as suas características físicas (idade, peso, porte, raça, gênero sexual etc.)
  • Onde nasceu e onde vive?
  • Se vive em um lugar diferente de onde nasceu, o que o fez se mudar?
  • Qual o seu nível de inteligência?
  • Qual a sua relação com a própria família?
  • Quais os seus amigos e inimigos mais próximos ou importantes?
  • O que o motiva?
  • O que o assusta/ amedronta?
  • Como ele enxerga o mundo?
  • Como ele age perante os desafios que aparecem em sua vida?
  • Que outras características você considera como importante?

Bons personagens bastam para um bom livro?

Certamente que não – mas são um passo importante. Um bom livro tem outras muitas características que também precisam ser observadas.

E isso sem contar com outros fatores que vão além da escrita em si, como diagramação, leitura crítica, revisão, capa etc.

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Ricardo Almeida

Sou fundador e CEO do Clube de Autores, maior plataforma de autopublicação do Brasil e que hoje responde por 27% de todos os livros anualmente publicados no país. Premiado como empreendedor mais inovador do mundo no segmento de publishing pela London Book Fair de 2014, sou também escritor, triatleta e, acima de tudo, pai de família :)

7 comentários em “Como criar um personagem para o seu livro?

  1. Começando a escrever a minha história mas estou tendo dificuldades na organizar,tipo vou escrevendo o que lembro mas são datas diferentes como devo proceder para ficar menos complicado
    Obrigada grande abraço Eunice

  2. Excelente post e muito interessante, atualmente estou escrevendo músicas e o processo é bastante parecido temos que fazer diversas perguntas, ver se não há nenhuma ponta solta e esclarecer o máximo possível é semelhante a construir um personagem, muito legal.

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