Nada pode ser melhor para um escritor do que uma boa dose de caos
Olhe ao seu redor: o mundo está um caos. Preferências políticas à parte, é relativamente fácil dizer, com pouquíssima margem para contradições, que o Brasil nunca esteve tão dividido e radicalmente dilacerado enquanto sociedade política. Brasil? E os EUA, à beira de um impeachment? Ou o Peru, em um vácuo de poder que não via desde a independência para Espanha? Reino Unido e o Brexit? Europa inteira e todo o caos envolvendo os refugiados que, por sua vez, fugiram de suas terras dilaceradas em busca do mais básico dos direitos humanos, o da sobrevivência?
Nosso mundo, sim, está o mais puro caos – mas isso não é algo peculiar aos nossos tempos. Já escrevi isso antes aqui no blog e repito: revoluções em nosso naco do planeta costumam ocorrer a fogo brando, com muito menos sangue e intensidade do que em qualquer outro local e tempo da história da humanidade.
O que isso tudo importa para escritores?
Vi, recentemente uma entrevista com Fernanda Montenegro em que ela dizia que a arte não se dá muito bem com a repressão. Não vou – é óbvio – defender nenhum tipo de repressão: nossa maior bandeira aqui no clube é justamente a total e irrestrita liberdade de expressão para todos. Todavia, os fatos crus, práticos, contradizem Fernanda Montenegro.
Tostoi e Dostoievsky? Os dois maiores escritores russos escreveram suas maiores obras primas em um dos momentos mais conturbados da história russa, a derrocada do regime czarista.
Nossos modernistas, de Mário de Andrade a Guimarães Rosa, praticamente inauguraram uma literatura verdadeiramente brasileira justamente em uma época de tumulto intenso casado a uma das mais sanguinárias ditaduras da nossa história, na Era Vargas.
Mia Couto? O que seria da sua literatura se ela não buscasse inspiração na tenebrosa África pós-colonialista?
O artista, claro, pode não gostar da repressão – ele costuma ser a sua primeira vítima. A arte, no entanto, ama. Ela bebe da raiva alheia, se inspira na censura e faz renascer um tipo de vida ainda mais poderosa que a própria vida humana.
E é por isso que nossos tempos são incríveis para escritores
Sei que isso parece frio, quase mórbido – e já peço desculpas por isso. É que, às vezes, a realidade é fria e mórbida.
O tipo e repressão que existe hoje – ainda bem – é melhor e mais branda que a do passado. Não quero menosprezar nenhum tipo de luta, claro: mas não dá para negar que a própria impossibilidade de se ir preso e torturado por expor uma ideia é um belo salto evolucionário para a humanidade.
Perfeito: usemos esse salto.
Aproveitemos essa liberdade de expressão e bebamos de toda a raiva social que existe e de todo o radicalismo que caminha pelas nossas ruas para escrever.
Baseemo-nos na estratégia de Shakespeare.
Pensemos em novas ideias para escrever.
Utilizemos as ferramentas ao nosso dispor para lançar livros inovadores e distribuí-los nas maiores livrarias do mundo.
O futuro da humanidade, em essência, depende de como nós contaremos o nosso presente para as próximas gerações. É o nosso papel, nosso direito, nosso dever.
Quer uma referência? Conheça Rétif de la Bretonne.
Fui em busca de alguma referência, de algum outro relato escrito por alguém que testemunhou alguma mudança brusca na condução de uma política.
Encontrei lá na mãe das revoluções modernas, talvez a mais sangrenta e aguda de todas: a francesa. O livro: As Noites Revolucionárias, escrito por Rétif de la Bretonne.
Fica sendo esta a minha recomendação. Quer entender o que se passou na Paris do final do século XVIII enquanto Danton e Robespierre se engalfinhavam pelo poder, enquanto Louis XVI e Maria Antonieta perderam as suas cabeças, enquanto a briga pelo poder fez a humanidade mais parecer com uma rinha de galos?
Leia o livro. Um relato absolutamente impressionante sobre o que acontece nos bastidores das mudanças sociais mais radicais.
E escreva a sua história também.
Para facilitar, deixo aqui o link: http://livraria.folha.com.br/livros/literatura-estrangeira/noites-revolucion-rias-restif-la-bretonne-1311258.html