2017, o ano da iconoclastia

No final do ano passado, me pediram para escrever um artigo sobre tendências do marketing que deveriam se concretizar em 2017. Fiz isso ainda em novembro e, no apagar das luzes de 2016, ele acabou sendo publicado em um ebook que pode ser baixado gratuitamente aqui.

Sim: o foco era em marketing e marcas de forma geral. Mas estou postando o artigo inteiro aqui, na íntegra, porque ele acaba refletindo muito da maneira de pensar que deve afetar não só marcas, como também autores, livros, leitores e assim por diante.

Espero que gostem!

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A neo-iconoclastia do século XXI

Em 730 DC, o imperador bizantino Leão III proibiu o culto a todo e qualquer ícone. Na nova política religiosa do então mais relevante império do planeta, venerar objetos seria como rebaixar Deus ao homenagear meros símbolos, “coisas” que, até por terem sido fabricadas pelas mãos imperfeitas do homem, jamais poderiam representá-Lo em sua plenitude.

Essa linha de pensamento – a iconoclastia, ou condenação ao culto de símbolos – ganhou peso ao ponto de provocar um cisma entre Roma e Constantinopla, sedes das duas principais igrejas cristãs da época.

De lá para cá, a força da iconoclastia sempre oscilou: foi condenada pelos católicos, apoiada pelos calvinistas, ignorada pelos hindus e severamente defendida por muçulmanos.

Como muitas das correntes de pensamento da história da humanidade, a iconoclastia acabou eventualmente deixando a esfera religiosa e mergulhando na secular. Para citar um único exemplo, uma das primeiras medidas que os revolucionários franceses tomaram depois da queda da Bastilha foi destruir o máximo possível de símbolos do antigo regime – de estátuas de monarcas à própria cripta de St. Denis, que abrigava os restos mortais de todos os imperadores desde o século X.

Seja do ponto de vista religioso ou político, o fato é que os iconoclastas sempre consideraram símbolos como falsidades ideológicas, como sínteses de valores glamurizados ao ponto de se transformarem em irreais e, portanto, mentirosos.

Entra o capitalismo

Pense agora em uma vitrine qualquer.

O que há nela? Marcas.

Muitas marcas representando, por meio de seus logos, ideais meticulosamente construídos para gerar conexões emocionais com seus públicos consumidores.

Quer se mostrar inovador? Compre algo que exiba o logo da Apple. Quer ser visto como um aventureiro? Compre uma jaqueta da Harley Davidson. Quer parecer rica? Nada como uma bolsa – ainda que falsa – povoada de logos da Louis Vuitton.

Para empresas, a receita de uma boa comunicação era relativamente simples: bastava sintetizar alguns adjetivos em um discurso de marca, distribuir bem a comunicação por diversos canais e colher consumidores fiéis.

#SQN

A vida não é mais tão fácil assim para as marcas.

Há, hoje, tanta informação trafegando pelo mundo que acreditar que uma marca qualquer consiga realmente representar a soma de todos os ideais de perfeição buscados por um indivíduo chega a soar pueril. O consumidor moderno sabe diferenciar a qualidade dos produtos de diferentes empresas, claro – mas ele também sabe que, na busca natural pelo lucro, todas invariavelmente sacrificam, em maior ou menor grau, os mesmos valores que elas alegam (e propagam) ter.

O que isso tem gerado? Uma geração de consumidores tão exigente quanto raivosamente cética, infiel.

A neo-iconoclastia

E qual o inimigo natural de um consumidor que exige a perfeição e duvida do discurso de qualquer marca? A própria marca, claro, uma vez que ela se esforça tanto para concentrar em seus símbolos (ou logos) o mesmo conjunto de ideais utópicos que cada vez mais consumidores entendem como pura hipocrisia.

Eis a versão moderna da iconoclastia.

Isso nos leva a uma questão fundamental que marcas precisarão começar a endereçar já em 2017: como lidar com um mercado composto mais de céticos fanáticos do que de apaixonados incondicionais?

Como conviver com a cada vez mais alta voz do consumidor? Como trabalhar a influência que cada cliente tem na decisão de compra alheia – principalmente quando ambientes como redes sociais se transformaram mais em repositórios de críticas do que de elogios? Como construir uma marca para um público consumidor que enxerga hipocrisia e ganância por trás de cada logo?

Pode não parecer, mas há uma saída tão óbvia quanto difícil para qualquer marca: sendo honesta.

Iconoclastas, afinal, querem sempre a mesma coisa: que verdades deixem de ser maquiadas por símbolos.

A questão, no entanto, é outra: quantas marcas você conhece que estão realmente preparadas, sob todos os aspectos, para se desnudar perante seus consumidores e ser absolutamente honestas com eles?

Arrisco um palpite: nenhuma.

E eis o desafio que as marcas tem em mãos não apenas para 2017, mas para as décadas futuras: aprender a quase impossível tarefa de ser honestas com os seus públicos consumidores.

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Ricardo Almeida

Sou fundador e CEO do Clube de Autores, maior plataforma de autopublicação do Brasil e que hoje responde por 27% de todos os livros anualmente publicados no país. Premiado como empreendedor mais inovador do mundo no segmento de publishing pela London Book Fair de 2014, sou também escritor, triatleta e, acima de tudo, pai de família :)

2 comentários em “2017, o ano da iconoclastia

  1. Por que o escritor tem que pagar para vender?
    ColunistasAntonio H. FernandesUncategorized15/01/2017 1 112

    Li um texto esta semana em que Neil Gayman dizia sobre editoras e autores. A relação entre os dois tem que ser de somente ida para o autor. Se ele realmente falou isso ou não, não sei, mas tem muita verdade.

    É mais ou menos assim: o autor está vendendo o seu produto, que é um livro, seja de crônicas, poesia, ou romance e como qualquer vendedor, é claro que ele quer ganhar sobre o produto que está vendendo. O problema é que o produto nunca é vendido da forma como ele quer. Ao menos aqui no Brasil.

    Não tenho pleno conhecimento de como é feito fora do Brasil, mas nos Estados Unidos, até onde sei, todo escritor tem um agente e um editor. A editora só pega para publicar pelo potencial de venda do livro, que é o nosso produto. Nesse caso negociam os valores dos direitos e o autor recebe um adiantamento do contrato e das vendas. O escritor é um vendedor de produto, ele pode ter ou não um agente, mas normalmente não perde. Aliás, ele ganha, e muito à medida que o livro vai vendendo.

    Aqui no Brasil, talvez seja um dos países em que o escritor ao invés de ser pago pelo seu produto, ele paga para que o produto seja vendido, com promessas de vendas. E paga caro. E ainda temos a imensa concorrência com os livros de autores internacionais. Como competir, por exemplo, contra 50 tons de Cinza? A saga Harry Potter? Não deveria haver competição. Até porque temos os nossos produtos, que são tão bons quanto.

    As editoras brasileiras, ainda não confiam nos escritores tupiniquins, só o que posso pensar. Mas também não posso deixar de pensar que as editoras vivem de autores que pagam para publicar, e não das vendas dos livros.

    O mercado editorial nacional é muito deficiente.

    Apenas são selecionados para grandes editoras aqueles que atualmente estão em primeiro lugar nas plataformas grátis. Que são livros com muitas leituras e muitos seguidores. Não digo best seller porque a tradução seria melhor vendido e nessas plataformas não se vendem livros. Somente divulgação de autor e obra.

    Um escritor em início de carreira nunca vai chegar a uma grande editora, a não ser que seja algo surreal o que esteja escrevendo. Nesse caso ele vai pagar caro para ter seu produto publicado. E ainda assim tem que tirar mais do bolso para que esse produto seja vendido nas melhores livrarias do país.

    Como diria Neil Gayman, isso está errado. Porque o autor só perde dinheiro. Não recebe, não ganha, e muitas das vezes, não vende.

    É por isso que existem muitos autores independentes, porque deve ser a única forma de se conseguir ganhar algum dinheiro com venda de livros, e mesmo assim não está isento de ter prejuízos.

    Isso precisa mudar no país. Infelizmente não vejo mudanças a curto prazo.

    Nosso país não tem o costume de ler, a média nacional de livros lidos por ano é uma brincadeira de mau gosto. Precisamos mudar a mentalidade do brasileiro, para que ele passe a ler mais, a gostar de ler e principalmente, que compre livros.

    Além de tudo isso ainda tem que brigar para que o livro não seja pirateado e livremente passado pela internet.

    Esse tipo de situação só muda com muita educação. Do estado, da união, dos pais.

    Editoras têm que confiar no autor, acreditar no produto. Se confiar em ambos o livro será bem recebido por quem gosta de ler. Não temos divulgação.

    O que ainda salva são as parcerias com os blogueiros. Muito pouco.

    Digo isso porque sou um escritor, já com livro publicado, mas a editora pouco ou nada fez com publicidade do livro, a divulgação foi praticamente nula. Talvez no início, mas depois nem sequer uma lembrança.

    E paguei para publicar… e paguei por livros em demanda. Já que estou vendendo o certo não seria eu receber pelo meu produto?

    Enfim, isso precisa mudar.

    Antonio Henrique Fernandes
    PUBLICADO NA ARCA LITERÁRIA.

    1. Antônio, não podemos concordar mais. Excelente texto.

      Só acrescento um ponto: os EUA tem a mesma dinâmica que o Brasil e o restante do mundo. O mercado editorial tem essa mania terrível de ser cruel justamente com os seus principais protagonistas: os autores. Tomara que isso mude logo!

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