Há alguns anos, em uma Flip dessas tantas que participamos, acabei entrando em uma discussão com um romancista. O assunto: a língua portuguesa.
Segundo ele, o mais importante de um livro era passar a sua mensagem, a sua história, mesmo que para isso algumas regras (básicas) da nossa gramática fossem… digamos… ignoradas.
Discordei, como discordo hoje.
Não dessa prioridade em se passar uma mensagem, claro – mas do papel singular que o uso correto do português tem para cumprir esse objetivo.
Há uma diferença muito pouco sutil entre a história falada e a história escrita: a fala carrega tons e entonações que dificilmente podem ser replicadas pela escrita. Por este mesmo motivo, histórias faladas permitem mais liberdades com o nosso idioma, são mais soltas, mais musicais.
Na história escrita, tudo muda: nela, a entonação é dada pelo leitor, não pelo narrador.
A posição de uma vírgula pode quebrar todo o ritmo da frase ou mesmo alterar o seu sentido; a falta de vírgulas pode deixar o leitor com absoluta falta de ar, asfixiando a história inteira; tempos verbais errados (como usar o ‘quer que eu faço isso?’ ao invés de ‘quer que eu faça isso?’) podem assassinar a imagem do autor perante o leitor – imagem que sempre deve ser mantida no mais alto patamar pelo bem do enredo.
A história escrita depende da escrita e quanto mais mambembe, quanto mais desconectada do nosso idioma, ela for, mais difícil será cativar uma base interessante de leitores. Vejo isso no cotidiano do Clube de Autores: se tem um ponto comum da imensa maioria dos livros mais vendidos aqui é que eles passaram por uma revisão profissional antes de chegarem às prateleiras.
Para o nosso azar, temos um idioma que, embora belíssimo, é carregado de sutilezas e de minuciosas regrinhas para tudo. É difícil, muito difícil, dominar todos os detalhes do português – mas usar isso como desculpa para não se aprofundar no básico não ajuda o autor em nada. Quer viver da escrita? Estude seu idioma.
Para a nossa sorte, é relativamente fácil encontrar bons revisores a preços acessíveis. Não acredito que seja nesse quesito que se deva economizar.
Histórias bem escritas, afinal, são também histórias mais lidas, como se pode concluir por obviedade.
E bons livros tem os seus enredos bem escritos, não cuspidos de qualquer maneira em folhas em branco.
Saramago concorda com tudo que você disse. Fez o contrário e entrou para história