Sim, eu sei que a pergunta é difícil – e já peço desculpas aos biógrafos que aqui me lêem.
Mas, recentemente, estou mergulhado de cabeça na tarefa de escrever a biografia de um atleta sul africano e heróis de guerra, um tal de Phil Masterton-Smith.
Mergulhado é pouco: já conversei com a irmã de 94 anos dele diversas vezes, já fiz amizade com sobrinhas e familiares, já bati papo com colegas de regimento, já capturei documentos oficiais da Segunda Guerra, já até me planejei para repetir um dos seus feitos, pedalar 1700km pela África em 10 dias e correr uma ultramaratona de 89km no dia 11.
E a história, modéstia à parte, está mesmo tomando uma forma belíssima. Mas sabe onde essa dúvida do título me bateu?
Nas partes entre datas e fatos documentados. Biografias, concluí, são sempre compostas de três partes: os inegáveis fatos, os dedutíveis pensamentos e as filosofias de vida quase sempre obscuras, íntimas demais para se fazerem realmente sabidas.
O que Phil, por exemplo, estava pensando antes de embarcar em um ou outro caminho de sua vida? O que ele buscava, realmente? E do que era composta aquela “matéria negra” tão vasta, tão maior, que circundava cada decisão sua.
No meu caso – como no caso de qualquer biógrafo – não há como saber.
Há, no entanto, como projetar, como encaixar filosofias entre ações, fatos e dados do biografado. A grande questão é que, no fundo, essas filosofias partem invariavelmente de uma única pessoa: do autor.
Assim, um biografado não é apenas uma pessoa real, que viveu sua vida e fez suas coisas: ele é também, ainda que em parte, um personagem de ficção, parido e criado pela mente do seu autor.
Volto, portanto, à pergunta do título: há como escrever biografias reais? Minha conclusão: não.
Biografias, no final, são sempre peças de ficção baseadas em fatos verdadeiros.
Mas a história da humanidade inteira não é também escrita exatamente desta forma?