Confesso que nunca li nada de Ferreira Gullar.
Já cruzei com ele em uma esquina aqui por São Paulo, já tropecei em alguns de seus livros em prateleiras desleixadas de livrarias, já ouvi seu nome perambular por rodas de conversa. Sim, fiquei curioso, quase instigado… mas acabei nunca comprando nada dele.
E confesso também que minha lista de desejos literária sempre foi tão grande (e crescente) que nunca coloquei seu nome com tanto destaque assim. Pelo menos até agora.
No último final de semana, depois de sua morte, me senti o maior dos ignorantes.
Fiquei ali, zapeando entre canais e vendo retrospectivas riquíssimas sobre um contemporâneo que só me interessou depois que virou passado. Vi as cenas em preto e branco da ditadura, vi seus comentários altamente lúcidos sobre os caminhos da esquerda brasileira, vi alguns poemas sendo recitados. Me assustei um pouco, confesso, com a crueza de alguns – mas foi um tipo de susto bom, daqueles que empurra o leitor de um verso a outro com um grau a mais de fome.
Percebi que entender um contemporâneo é sempre mais fácil e entusiasmante do que entender um fantasma: os que compartilham o mesmo mundo que nós, afinal, usam como pano de fundo para a arte o mesmo ethos que nos cerca.
A morte de Gullar esfregou minha ignorância na minha própria cara. “Como pude nunca me interessar por um escritor tão denso e tão próximo?”, me perguntei.
Não achei resposta.
Enfim, acabei me entregando ao pouco elogioso hábito de preferir homenagear cadáveres a seres vivos e, finalmente, comprei Poema Sujo.
Ele ainda não chegou e, portanto, ainda não passei das sinopses e elogios em sites.
Mas lerei.
Juntamente com a promessa feita a mim mesmo de ao menos tentar com mais afinco testemunhar a poesia dos vivos, dos que compartilham os mesmos tumultuados tempos que eu e, portanto, que já tem uma conexão quase paisagística comigo.