Sempre considerei que livros para crianças são muito, mas muito diferentes de livros para adultos.
Para nós, já com personalidades forjadas pela sempre inquestionável experiência prática nas agruras da vida, a imaginação tem um limite menor. Sim: mantemos, ainda bem, a capacidade de nos teletransportar para eras distantes a cada capítulo; mas nossas imaginações são incapazes de dominar por completo as leis da física tal qual ocorre com crianças.
Em outras palavras: compreendemos que vôos em unicórnios mágicos podem ser metáforas brilhantes para alguma coisa qualquer – mas apenas crianças abraçam a possibilidade da existência real desses seres fantásticos em seus enredos flutuantes.
Não que devamos ficar tristes por termos perdido, provavelmente em algum lugar na pre-adolescência, a capacidade de acreditar no inacreditável: a realidade absorvida por essa passagem é essencial para que consigamos conduzir as nossas vidas e proporcionar aos nossos filhos o luxo da fantasia infantil. Poder confundir fantasia com realidade, afinal, é essencial para a formação de qualquer humano.
É aqui também que entra a vantagem de livros, principalmente os impressos, frente a qualquer outra maneira de cultura.
Veja: quando uma história é soprada em forma de palavras para dentro de olhos ou ouvidos, toda a imaginação se exercita. Quando uma história fala de dragão, é a cabeça da criança que desenha os contornos das narinas fumegantes, do couro áspero, dos olhos malignos; quando uma fada é evocada, é a mesma mente que a recria suave, com roupa e chapéu colorido e uma voz aveludada; e assim por diante.
A capacidade de imaginação fantasiosa de uma criança faz dela uma co-autora de absolutamente qualquer história que leia ou que leiam para ela. Como co-autora, a criança exercita a sua imaginação e capacidade criativa como em nenhuma outra atividade intelectual – e essa é a vantagem da simplicidade dos livros impressos.
Vá para um ebook interativo, repleto de animações e sons, e a magia se perde. Não que a história perca a sua força – não exageremos. Mas cada interação digital tira da criança a necessidade de especular sobre personagens e enredos: como criar, na mente, o som que um dragão faz se o próprio aplicativo, uma mescla de livro com game, faz esse som a um mero clique?
Como permitir à imaginação criar vozes dos personagens se todos eles já falam?
Para que uma criança colocará a sua imaginação em uso se, nos mais sofisticados ebooks, os próprios autores já tiverem feito isso para ela?
Nunca fui contra tecnologias. Sou leitor assíduo de ebooks e audiobooks, assinante das mais diversas plataformas e, sim, faço questão de permitir que minha pequena filha acesse apps e tudo mais que a tecnologia permitir. Bloquear a tecnologia da vida de uma criança, hoje, afinal, é como criar no passado alguém que fatalmente enfrentará desafios do futuro.
Ainda assim, nunca considerei apps ou ebooks ultra-interativos com livros: são coisas diferentes, tão diferentes quanto filmes ou desenhos animados.
E a prova disso é simples de obter, indo além de qualquer estudo científico: leia uma história para uma criança e apenas perceba o brilho diferente em seu olhar enquanto seu pequeno cérebro forja infinitas sinapses e conexões.
Filmes e aplicativos mostram mundos imaginados pelos seus autores; livros, principalmente aqueles mais simples, permitem que crianças criem os seus próprios mundos.