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Como criar personagens para uma história de ficção?

Há décadas, escritores debatem interminavelmente sobre a dúvida literária de se Capitu traiu ou não Bentinho em “Dom Casmurro“, de Machado de Assis. Mesmo para aqueles que nunca leram o livro, a emblemática frase é conhecida. No entanto, para este artigo, a fidelidade da personagem não é importante. O que importa é a análise e a compreensão de por que alguns personagens fictícios são tão incríveis.

Além de Capitu e Bentinho, existem centenas de outros exemplos de personagens impressionantes na literatura nacional e estrangeira. Na categoria de suspense e terror, podemos citar o icônico Drácula, criado por Bram Stoker, e Jack Torrance, de Stephen King. Entre os romances clássicos, há Romeu e Julieta, de William Shakespeare, e Dom Quixote de la Mancha, do autor espanhol Miguel de Cervantes.

Entre os romances clássicos nacionais, destacam-se Riobaldo, de Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas“, e Macabéa, de Clarice Lispector, em “A Hora da Estrela“. A literatura contemporânea também nos presenteia com bons e marcantes personagens, como Harry Potter, de J. K. Rowling, que se tornou um fenômeno juvenil mundial. Além disso, as irmãs Bibiana e Belonísia, de Itair Vieira Júnior em “Torto Arado“, são exemplos de personagens fora do óbvio.

Criar personagens cativantes, com personalidade e atributos que prendam a atenção do leitor, não é uma tarefa fácil. É necessário um trabalho contínuo, combinando prática e estudo. Quando consideramos escrever um livro, surgem imediatamente em nossa mente personagens, lugares, situações e, muitas vezes, o desfecho da história. Para que a história seja envolvente e encante o leitor, tudo deve ser bem construído. Para criar bons personagens, é recomendado criar uma ficha de personagem.

Em um romance, que possui uma trama profunda e uma narrativa longa, os personagens fundamentais, sejam protagonistas ou não, devem ter sua própria ficha de personagem criada. Em um trabalho de escrita menor, como um conto, naturalmente haverá menos conflitos na trama e menos personagens para ter suas fichas criadas.

Protagonista, antagonista e demais personagens

Nos livros de narrativa ficcional, os personagens são seres que executam ações propostas pelo narrador. Um conjunto de personagens, que se relacionam entre si, compõe o grupo de participantes da narrativa.

Geralmente, os personagens são divididos em três categorias:

  • O protagonista, ou personagem principal, é um ser com traços fortes e personalidade bem trabalhada, com a missão de encantar o leitor. O protagonista é geralmente visto como um herói, mas quando ele tem personalidade e atitudes que confrontam as expectativas do leitor, é considerado um anti-herói. Um exemplo de anti-herói é Macunaíma, de Mário de Andrade, descrito como um “herói sem nenhum caráter”.
  • O antagonista é aquele que rivaliza e se opõe ao personagem principal. Este antagonista pode ser, por exemplo, o vilão da história.
  • Os personagens secundários têm traços menos elaborados na narrativa, mas são essenciais para um bom desenvolvimento do livro.

Criação da ficha de personagem

Criar a ficha de personagem é um exercício que entregará para a sua história um ser marcante, envolvente e com personalidade própria. E não se engane que a ficha é algo rápido e fácil de se fazer, apenas citando o nome ou suas características físicas daquele personagem. Devemos pensar em comportamentos, histórico de vida, relações com o universo inserido e muito mais.

Na metodologia a ser apresentada, trabalharemos com três níveis de criação.

  • A camada periférica, relacionada às características físicas;
  • A camada de entorno, relacionado ao passado e experiências de vida;
  • A camada central, relacionado aos aspectos psicológicos da personagem.

A metodologia utilizada vale para a criação de qualquer tipo de personagem, seja ele o protagonista, antagonista ou personagem secundário. O desafio, além da criação desses personagens, é conseguir inseri-los da melhor maneira na narrativa. Mas construção de narrativa é assunto para outro box.


Para entender mais sobre gêneros literários, acesse este artigo do nosso blog: Gêneros Literários: aprenda os conceitos, estilos e características


Camada periférica

Esta camada é simples de ser feita, com dados que logo vem à mente do autor na sua criação. É pensado como o personagem é fisicamente, como se comunica com outras pessoas e também dados básicos como nome, idade etc.

Perfil básico

  • Nome, idade e gênero;
  • onde nasceu, onde mora atualmente;
  • profissão/ocupação, posição social (rico/pobre).

Aparência física

  • Altura, porte físico, cor dos olhos, cor/tamanho/textura do cabelo;
  • características marcantes (tatuagens, piercings, cicatrizes, marcas de nascença);
  • acessórios usados com frequência (óculos, pulseira, relógio etc), estilo de roupa;
  • sua aparência é: desleixada, arrumada, casual etc.
  • sofre de doenças crônicas ou é saudável;tem alguma outra particularidade de saúde;
  • seu jeito de andar e se portar é: arrastado, confiante, apressado, distraído, tímido.

Comunicação

  • estilo de fala: formal, educado, carregado de gírias ou com sotaque;
  • ritmo de fala, rápido, lento, eloquente, arrastado;
  • tom de voz:  melodioso, grave, agudo.
  • sua postura é, rígida como a de um militar, reta como a de um artista de circo ou desleixada.
  • frases marcantes ou de efeito.
  • Sua expressão costuma ser: hostil, neutra, doce, distraída.

Camada de entorno

A camada de entorno pode ser entendida como uma mini-biografia do personagem. Entendemos do histórico do personagem e como foi moldada a sua personalidade.

O passado

  • cidade em que nasceu;
  • como foi sua criação: rígida, mimada, sofreu abandono;
  • nível de escolaridade;
  • praticava esportes, cursos, teatro;
  • profissões ou ocupações exercidas;
  • quem foram suas referências (personalidades, desportistas);
  • hobbies quando criança/adolescente;
  • eventos marcantes da sua infância: primeira memória, memória mais triste ou feliz, lembrança mais impactante;
  • quais são seus maiores traumas da infância e juventude;
  • ficha criminal, caso tenha.

Família

Familiares mais próximos ou que tem/tiveram impacto relevante para o personagem..

  • Idade (se vivo):
  • profissão/ocupação:
  • como é seu relacionamento com a personagem;

Outras relações

  • Melhores amigos e outras amizades relevantes;
  • Inimigos;
  • Impressão que o personagem passa para desconhecidos, colegas de trabalho, professores, chefes e outras pessoas com autoridade, para os seus amigos etc
  • quais redes sociais ele(a) usa e para com qual objetivo;
  • o quão importante é o amor para ele(a) e o que busca em um relacionamento;
  • como seria seu/sua parceiro(a) ideal;
  • quantas pessoas chorariam sua morte?

Camada central

Etapa mais desafiadora e complexa na hora de criar a ficha de personagem. É criada a essência do personagem.

Aspectos psicológicos

  • O personagem é: esperto(a) e malandro(a); inteligente e estudioso(a); otimista/pessimista; realista/sonhador(a); extrovertido(a)/introvertido(a);
  • Lugar favorito;
  • segredos guarda e qual é o mais importante;
  • o que ele(a) mais deseja;
  • maior defeito;
  • melhor qualidade;
  • qual é a sua maior conquista;
  • humor habitual é: alegre, neutro, desanimado, estressado ou sempre oscilando.
  • sofre de algum transtorno ou distúrbio mental;
  • o que ele(a) pensa sobre: amor, poder, ambição ou mudanças;
  • qualidades ele(a) valoriza em uma pessoa;
  • causa social é importante;
  • princípios e visão moral;
  • em quais situações ele(a) está disposto a quebrar seus princípios.

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Criando um personagem atraente

Bons personagens são essenciais na construção de histórias de ficção. Um bom personagem conduz a história e conquista o leitor. É bem comum criarmos empatia com o protagonista e até mesmo com o antagonista.

O que também ajuda na criação de um personagem atraente é a construção de bons diálogos. O diálogo é fundamental para sabermos da personalidade, trejeitos, preferências e demais características comportamentais. Nos próximo meses, ensinaremos como criar bons diálogos para a sua história.

Como você já pode imaginar, não existe uma regra específica e certeira para criar um bom personagem, mas sim dicas e boas práticas. E é sobre isso que falaremos nos próximos tópicos.

Defina qual o objetivo do personagem na trama

Um personagem sem objetivo e sem um rumo bem definido, dificilmente cairá nas graças do leitor. A atração (e o encanto), está diretamente relacionada com a clareza do porquê determinado personagem está inserido na trama.

O que ele quer? Para onde vai? Com quem está se relacionando? Qual o impacto e importância para a história? 

Essas perguntas devem ser respondidas ao longo da narrativa. E caso tudo esteja coerente, é bem provável que o leitor gostará do personagem.

Como o personagem quer ser visto?

Um personagem atraente não deve ser neutro, sem graça. É preciso ter algo a mais que os outros. É preciso se destacar. E há várias personalidades e comportamentos possíveis para que isso seja possível. Como estamos falando de uma representação ficcional de uma pessoa, é de se esperar uma pluralidade na sua criação.

Abaixo, cito dois exemplos de como pode ser um personagem atraente.

Herói, amado, conquistador

O mocinho da história. Aquele que tomará decisões previsíveis e que agradará à maioria dos leitores. Pouco polêmico, conciliador, herói, geralmente com conflitos amorosos e com a vontade de salvar o mundo. Personagens assim são bastante comuns e relativamente fáceis de serem criados.

Polêmico, persuasivo, pouco sentimental

Geralmente é um personagem que a todo momento provoca o leitor, ao tomar decisões inesperadas e ir sempre contra a “lógica dos fatos”. Quer fazer de durão, mas, no fundo, tem certos sentimentos por alguém. Nunca está conformado com nada e induz o leitor a odiá-lo. Anti-heróis se encaixam bem aqui.

Exemplos de bons personagens da literatura

Em poucos minutos você consegue citar diversos personagens que te marcaram na literatura. É impossível não se lembrar daqueles que te fez chorar, criando uma conexão emocional tão forte que por momentos se esqueceu que se trata de alguém que não existe.

Listarei alguns personagens literários marcantes e que, por vezes, o livro onde faz parte foi adaptado para as telonas.

August Pullman (“Extraordinário”, 2012. R. J. Palacio)

O garoto nasceu com uma rara síndrome genética cuja sequela é uma severa deformidade facial, precisando de diversas cirurgias, com grandes complicações médicas.

Inteligente, gentil e cativante desde o início. A empatia inicial nos faz chorar, sofrer, rir e ter todas as emoções possíveis ao longo da narrativa, onde August precisa lidar com os olhares maldosos por conta da sua aparência física incomum. E ele precisa enfrentar o maior desafio da sua vida ir para a escola pela primeira vez.

Macunaíma (“Macunaíma”, 1928. Mário de Andrade)

O personagem mais famoso de Mário de Andrade, Macunaíma, é chamado, logo no título do livro, de “herói sem nenhum caráter”. O personagem é uma retratação dos seres malandros, preguiçosos, mas, ao mesmo tempo, sonhadores. Sai da selva amazônica e vai para São Paulo a fim de recuperar a muraquitã — um talismã que dele que foi furtado e que está com Venceslau Pietro Pietra.

Macunaíma ficou marcado na cultura popular, sendo um retrato do “brasileiro médio” da época.

Capitu (“Dom Casmurro”, 1899. Machado de Assis)

Uma personagem intrigante, que desperta curiosidade e mistério  por grande parte dos leitores, afinal, é-lhe que o maior caso de suposta traição é atribuído. Ela traiu ou não Bentinho?

Capitu é tida como a mulher “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” e portadora de “olhos de ressaca”. A discussão sobre a traição e toda a magia entorno deste casal faz dela um incrível personagem.

Sherlock Holmes (Vários livros, Arthur Conan Doyle)

O detetive mais famoso do mundo, inclusive, bem mais conhecido que seu próprio criador!

Sir Conan Doyle escreveu uma série de livros sobre o astuto investigador Sherlock Holmes e, junto ao inseparável Dr. Watson, tiveram seus nomes marcados na história da literatura mundial.

Holmes é um detetive de métodos ímpares com raciocínio rápido e lógico, além de um senso dedutivo incomparável. Seu sucesso é tão estrondoso que até colocou Baker Street no hall de lugares mais conhecidos da literatura mundial. Inclusive, no local há o museu Sherlock Holmes.

Drácula (“Drácula”, 1897. Bram Stoker)

Um dos personagens mais bem sucedidos da literatura extrapolou as barreiras das bibliotecas e invadiu os cinemas e não se contenta somente com o gênero gótico de Stoker.

O mais impressionante é que o romance de Bram Stoker não foi o primeiro sobre vampiros e não passou nem perto do sucesso quando lançado. Porém, se o início não foi tão feliz para criador e criatura, com certeza, hoje Stoker está bem contente com sua obra.

Os vampiros estão por todas as partes e para todos os leitores, fãs de cinemas, quadrinhos, enfim, todo mundo tem um vampiro para se chamar de seu, graças a Bram Stoker e seu Conde.


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Hamlet (“A tragédia de Hamlet”, 1599. William Shakespeare)

Ser ou não ser, eis a questão!

Impossível nunca ter ouvido ou lido essa frase em algum momento da sua vida! Isso, sem contar as apropriações e adaptações em todas as esferas culturais.

O príncipe Hamlet é controverso, mas a sua vida é uma tragédia shakespeariana e ser herói ou vilão é só uma questão de ponto de vista.

A obra de 1599 de Shakespeare foi um marco não só na literatura, mas também no teatro e cinema.

E tenho certeza que você está pensando que Shakespeare tem outro personagem mais famoso, aliás, um casal. Mas aí seria muito óbvio, não é mesmo? Fato é que o poeta inglês também era um gênio na criação de personagens.

Dom Quixote (“Dom Quixote de la Mancha”, 1605. Miguel de Cervantes)

O cavaleiro andante mais famoso e um dos loucos mais amado por leitores e amantes da cultura pop.

Dom Quixote em seu cavalo, ao lado de Sancho Pança enfrentou moinhos de vento, literalmente, e ainda assim conseguiu ser referenciado por todo mundo. Precisa de falar mais porque ele é icônico?

Os devaneios e questionamentos de Quixote podem parecer sem nexo, em um primeiro momento, mas a determinação do cavaleiro nos faz acreditar em suas razões, ou ao menos refletir muito sobre as coisas da vida.

O Zorro que me desculpe, mas o cavaleiro mais importante não usa máscara.

Jay Gatsby, (“Grande Gatsby”, 1925. F. Scott Fitzgerald)

O sonho americano dos anos 20 é muito bem retratado na figura de Jay Gatsby. A construção de um grande império, um grande amor e, no final, a ruína, assim como a Grande Depressão chegou em 29.

A história de Fitzgerald tem o glamour, o romance, mas em contraponto tem a melancolia e a tristeza de quem perdeu tudo, na figura de Jay. Uma figura bem emblemática, bem ‘americanizada’ e que chegou aos cinemas, em 2013, com Leonardo DiCaprio no papel de Jay Gatsby.

Diadorim, (“Grande Sertão: Veredas”, 1956. Guimarães Rosa)

Diadorim é, com certeza, um dos melhores personagens da literatura brasileira. A genialidade de Guimarães Rosa em Grande Sertão está em cada detalhe, seja na narrativa propriamente, seja na descrição dos cenários, na contextualização política da época e, claro, em seus personagens.

O personagem é de uma grandeza, de uma representatividade inimaginável para aquela época e, ouso dizer, até para agora. Uma personagem que representa o feminino e o masculino de um universo tão ímpar como o descrito por Guimarães Rosa, com certeza tem que estar na prateleira mais alta da literatura.

Considerações finais

O mais importante para a construção de um personagem atraente é entender a fundo quem ele é e qual a sua importância na história. Os caminhos a seguir são vários e o escritor deve se questionar sempre como e qual será o impacto desse personagem.

A lista de personagens marcantes é infinita, lembrando que até os próprios autores já citados possuem outros personagens que merecem ser referenciados. Não entrei em nichos específicos, como, por exemplo, as histórias em quadrinhos, das quais temos dezenas de super-heróis e a nossa querida Turma da Mônica.

Ainda no público infantil, todos os contos de fadas com suas princesas e seres mágicos. Temos o nosso Menino Maluquinho que seria um bom amigo para Alice e seus animais mágicos. 

Também há bruxinhos e seus amigos que aguardam uma carta de aceitação para a escola de bruxos, tem magos, elfos, dragões etc.

Jane Austen, Stephen King, Victor Hugo, Alexandre Dumas e tantos outros autores também possuem seus personagens inesquecíveis.

Quais outros personagens você acrescentaria à lista? Quais seus favoritos?

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