Crise é uma palavra curiosa. Sua mera menção cotuma gerar pânico, suscitando uma espécie de onda de pessimismo e alarmismo do tipo que boiadas tem ao verem vaqueiros próximos demais. Há mais de 10 anos como empreendedor, me habituei a lidar com crises de outra forma: elas não são nada mais que demandas por mudança.
Crises ocorrem quando o mercado está, de maneira geral, saturado da forma com que vem sendo administrado. E quando falo ‘o mercado’, não entendam aquele ser amorfo e maléfico que os mais radicais tendem a colocar a culpa de todos os males da humanidade. Nós somos o mercado.
Nós compramos, nós vendemos, nós produzimos, nós votamos, nós elegemos. Em uma democracia, afinal, tudo – absolutamdente tudo – é, em última instância, responsabilidade de cada cidadão. Mas não quero entrar em discussões políticas aqui: essa não é, nem de longe, a vocação deste blog e nem a intenção deste blogueiro.
Ignore, ainda que com algum esforço, o caótico espectro político brasileiro. Olhe ‘o mercado’. Pluralize-o.
Há décadas (senão séculos) se compra e vende imóveis, por exemplo, exatamente da mesma forma.
Há décadas se locomove em cidades coalhando ruas de carros e esfumaçando os céus de monóxido de carbono como se isso fosse o melhor.
Há anos o mundo editorial está habituado a ter, na figura de um editor antiquado e ultrapassado, o juiz supremo da qualidade de cada parágrafo escrito, decisor do futuro de milhões de escritores.
Todos esses mercados – e muitos outros – são a parte mais prática da crise que vivemos. Não apenas uma crise política – embora esta também seja consequência, e não causa. Uma crise de eras.
O país como um todo está entendendo que é hora de mudar, de revolucionar algumas das nossas tradições mais danosas e virar a página. E quer saber de uma coisa? Por pior que esteja sendo a crise brasileira, os setores que mais estão apostando em “fazer as coisas de forma diferente” parecem estar driblando-a.
Exemplos?
Lidar com imóveis em um período de alta de juros e escassez de crédito dificilmente é uma boa ideia. Não me parece, no entanto, que empresas como a AirBnB – que inauguraram um modelo de aluguel por pequenos períodos, mesclando os mercados de turismo e de imóveis urbanos – estejam reclamando. Ao contrário: elas estão crescendo diariamente, inclusive no Brasil. Talvez isso seja apenas um indício de uma mudança ainda maior que esteja por vir.
Se, há demissões em massa nas montadoras e carros estocados em pátios deprimentes. Mas quer saber? Talvez a era do carro esteja passando a passos mais largos que imaginamos. Talvez os quilômetros de ciclovia, embora criticados pelos mais diversos motivos, realmente estejam abrindo novas opções. Lojas especializadas em bikes não tem reclamado desses tempos, afinal. Isso sem contar que alternativas de transporte coletivo, como o Uber, que contam como inimigos apenas os velhacos políticos que lutam para que o velho mundo permaneça velho e que a concorrência não cumpra o seu odiado papel de melhorar a oferta.
E no mercado editorial? A mesma coisa acontece – e nesse podemos falar pela experiência. Enquanto editores tradicionais reclamam do apocalipse que parece se desenhar no horizonte, uma coisa é fato: nunca se leu ou produziu tanta literatura. Para onde ela está indo? Para a Web, em outros formatos, e para sites como o Clube de Autores. Esses últimos meses tem testemunhado um boom tanto em publicações quanto em vendas que jamais poderíamos ter antecipado. E sabe qual o resultado disso? Maior capacidade de investimento interno em mais ferramentas, em mais ações de divulgação, em mais parcerias.
Esses três exemplos – AirBnB, Uber e Clube de Autores – são apenas alguns dos tantos exemplos. É claro que todos estão sob o impacto de uma crise quase sem precedentes no Brasil redemocratizado: exceto pelos bancos, ninguém ganha com juros altos e crédito escasso.
Mas há um movimento importante por trás disso tudo que poucos estão percebendo: uma crise como essa tem como papel eliminar as velhas maneiras de se fazer negócio e potecializar uma renovação. Ou uma revolução.
Crises são, afinal, exatamente isso: ruptura com o status quo e começo de uma nova era.
Que ela venha a galope.