Dados, aprendi com o tempo, só podem ser verdadeiramente compreendidos depois que se vivencia a realidade que os gerou. Explico-me: não há um só relatório ou pesquisa que indique uma queda no volume de livros publicados ou lidos no continente europeu. Todos são unânimes em encaminhar o analista à conclusão óbvia de que há um crescimento intenso tanto do lado da demanda quanto da oferta. Perfeito para autores independentes (e para plataformas como o Clube), diga-se de passagem.
Mas, por mais que essa conclusão seja acertada – dados não mentem – há mais nuances nela do que a tinta preta sobre o papel branco podem fazer supor.
Antes de entrar nessas nuances, vale conferir algumas imagens e gráficos:
À bizarra exceção da Noruega e da Rússia (mesmo pré-invasão da Ucrânia), todos os mercados editoriais ocidentais cresceram substancialmente.
O gráfico acima é um resumo do mercado no ocidente ao longo de 2021, ano em que os lockdowns foram muito mais marcantes do que agora. Enquanto 75% dos países se disseram severamente afetados pelo fechamento de sítios físicos (como livrarias), a quase totalidade registrou crescimento no consumo de livros.
Para países europeus, mais conservadores nos seus hábitos, isso significou uma espécie de empurrão importante rumo à digitalização dos hábitos de compra. E por que isso importa? Porque é justamente na Internet, nas livrarias online e nos marketplaces, que o autor independente mais tem espaço para aparecer.
Saindo dos gráficos, há algumas reflexões importantes feitas pelos locais.
Segundo a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, “comparado ao pré-pandemia, a venda de HQs e mangás cresceu 68% e de ficção, 7%.” Em paralelo, “audiolivros começaram a se transformar em uma tendência, embora ainda pequena, no país.”
A tradução, ainda que suavemente simplista? Mais jovens estão puxando o mercado editorial português para cima e permitindo uma maior exploração de formatos e histórias.
Já segundo a Associação Espanhola de Livreiros, “a Espanha observou uma mudança forte no hábito de compra de livros, caminhando para o meio digital. Isso teve um impacto imenso nos próprios livreiros, que precisaram correr para se adaptar ao meio e às novas ferramentas disponíveis para autores e leitores.”
Veja, meu caro amigo autor: nós somos uma dessas ferramentas citadas acima. A autopublicação só existe, de maneira sustentável, por causa da força da Internet. Esses gráficos e essas citações, portanto, são uma excelente notícia.
Ainda assim, não dá para dizer que sejam informações surpreendentes. O mundo inteiro se virou para o universo digital, que explodiu e abriu portas inimagináveis para o autor independente. Mas é aqui que entra a vivência prática, o entendimento do contexto e das nuances por trás dos dados.
O velho mundo e a nova tecnologia
Seria absolutamente incorreto considerar a Europa como um continente homogêneo, único, compartilhando os mesmos hábitos e culturas. A Europa nórdica, composta por países como a Suécia, Noruega e Dinamarca, é um motor de inovação com uma força incomparável. A Europa central, incluindo, por exemplo, Alemanha e França, é o principal gás econômico do continente, ditando regras e normas. O leste europeu ainda é muito offline e conservador, estando distante da riqueza que costumamos imaginar quando viramos nossos olhos para esse lado do mundo. E a Europa latina é uma espécie de meio termo entre tudo isso.
Itália, Espanha e Portugal ainda tem muito que evoluir em cultura digital e desburocratização geral. São países ainda conservadores, idosos e que custam mais a mudar. E, antes que me acusem de qualquer coisa, já adianto: isso não é nem bom e nem ruim, até porque não é uma opinião. É apenas um fato com o qual precisamos lidar.
Por que isso importa ao autor?
Porque o entendimento dos hábitos de consumo literário dessa Europa Latina, nosso primeiro porto, vem justamente daí. Esse naco do continente está mudando e se digitalizando, lê mais livros que a média mundial, está habituado a gerar grandes clássicos (afinal, não nos esqueçamos que o livro mais vendido da história é Dom Quixote, de Cervantes, publicado em 1612) é está absolutamente maduro para o tipo de revolução editorial que costuma acompanhar a autopublicação.
Por outro lado, “estar mudando” não significa “estar mudado”. O europeu latino ainda compra mais no comércio tradicional que no eletrônico, gasta mais em dinheiro vivo que em qualquer tipo de cartão e tem uma preferência radical, quase absoluta, pelo papel (em relação ao livro eletrônico ou em áudio).
Esse será o nosso principal desafio aqui: chegar nos pontos de venda corretos e fincar âncoras tanto no futuro do consumo europeu que chega a galope quanto no presente mais analógico que ainda se impõe a olhos vistos.
E como tem sido esse processo de fincar as nossas âncoras, de fazer as novas conexões e começar a construir as pontes certas? Deixemos isso para a semana que vem.
A ser continuado na próxima terça-feira
Acompanhe a jornada do Clube de Autores para novos mercados, em tempo real, neste link: www.clubedeautores.com.br/jornada
Boa tarde. Sr. Ricardo
Acho sensacional essa probabilidade do Clube de autores fincar raizes na Europa, e estou na espectativa. Quem sabe, apesar das dificuldades, certamente a serem enfrentadas, autores brasileiros tivessem como divulgar suas obras no Velho Mundo.
Abraços
Odayr
Oi Odayr! Vou te falar quie estamos surpresos com o mar de possibilidades que está se abrindo aqui. Estou ansioso para poder divulgá-las e para começarmos nossa operação por cá!!!
Muito bom