Livraria Cultura tem seu plano de recuperação judicial aprovado. Por que isso deve interessar a você?

O que devemos esperar do novo mercado editorial brasileiro?

Para que todos fiquemos na mesma página, é importante contextualizar o que, exatamente, foi esse processo de recuperação judicial que tanto abalou o mercado editorial brasileiro nos últimos meses.

Desde o começo do ano passado, as duas maiores redes de livrarias do país – Cultura e Saraiva – estavam com dificuldades grandes em honrar seus compromissos financeiros com editoras, autores e fornecedores de forma geral. Pode não parecer, mas foi um tsunami: juntas, afinal, essas duas redes representavam quase metade de todos os livros vendidos no país inteiro.

O que os planos de recuperação judicial incluíam?

De maneira geral, uma espécie de calote consensado. Apesar de pequenas diferenças nos acordos das redes com seus fornecedores, as propostas seguiam mais ou menos nessa linha:

  1. Em torno de metade de todo o montante que elas deviam (ou devem) aos fornecedores seria “perdoado” (ou seja, calote)
  2. A outra metade do montante devido, por sua vez, seria paga em suavíssimas parcelas ao longo de algo como 12 anos (!!!)

Já imaginou o efeito de algo assim para um pequeno editor, que já pagou gráficas para imprimir e distribuir suas tiragens, tem os seus compromissos com autores e funcionários e sempre agiu dentro das regras? Pois é: de repente, esse pequeno editor viu quase metade dos seus recebimentos ser ceifado por circunstâncias relativamente além do seu controle.

Relativamente, reforço.

Porque, no final, essas quase falências das duas redes devem ser vistos como um sinal de que o velho e antiquado mercado editorial já deveria ter se modernizado faz tempo.

Porque se, por um lado, não há como não sentir algum nível de pena do velho editor tradicional que trabalha como sempre trabalhou desde o início dos tempos, por outro não dá para considerá-lo também como culpado justamente por não ter inovado em seu próprio negócio. Convenhamos: imprimir grandes tiragens para distribuir de maneira consignada para centenas de livrarias, recebendo apenas quando elas alegarem as vendas?… Faz pelo menos dez anos, desde que o Clube de Autores começou e popularizou o modelo de impressão sob demanda, que isso não faz mais sentido.

Mercados que não se modernizam quebram: simples assim. Foi o que aconteceu com os velhos editores e livreiros. E não há como usar eufemismos aqui: o processo que culminou nos pedidos de recuperação judicial da Cultura e da Saraiva foi devastador para o mercado editorial tradicional brasileiro.

Ao mesmo tempo, foi o que abriu espaço para que novas empresas, dos mais diversos setores, começarem a trabalhar de maneira mais inovadora. Dei uma entrevista sobre o assunto recentemente, aliás, para a Record – veja no vídeo abaixo:

Como foi  crise para as novas empresas? 

Nós, que também distribuímos livros para a Saraiva (no caso de ebooks) e Cultura (no caso de impressos), também sofremos com os termos das recuperações judiciais. Dado o crescimento das vendas em canais aqui no Clube, o não recebimento foi um baque grande no caixa – até porque continuamos honrando todos os compromissos daqui, com gráficas e autores, apesar de amargar um prejuízo desnecessário.

Mas, ainda assim, 2018 foi o ano em que mais crescemos em toda a nossa história.

Por que?

Porque imprimimos sob demanda, o que dá um teto relativamente baixo de endividamento com livrarias. Porque temos muitos autores independentes aqui vendendo das mais diversas formas. E porque estamos abertos a todos os tipos de formatos e canais, o que significa que a nossa dependência das grandes redes nunca foi tão gigante assim.

Como o mercado editorial está agora?

Economicamente falando, o Brasil ainda não se recuperou da recessão que destroçou quem contava com um crescimento mais forte – e isso tem, claro, seus efeitos em qualquer mercado.

Mas eu diria que, no mercado editorial, os mais antiquados já pereceram e estão saindo de cena de vez.

Há novas empresas, há novos modelos, há mais ofertas para os consumidores. Ou seja: em que pese a persistência da crise brasileira, o mercado editorial está se reinventando. E isso, sim, é bom para todos.

Voltando às recuperações judiciais

Todo plano de recuperação judicial precisa ser aprovado pelos seus credores antes de ser oficializado. Em linhas gerais, funciona assim:

  1. A empresa apresenta a proposta de recuperação judicial em assembleia para os credores
  2. Enquanto a proposta estiver sendo avaliada, suas obrigações de pagamento do passado essencialmente cessam, congelando-se até uma aprovação ou reprovação final
  3. A partir daí, no entanto, todas as novas compras feitas pelas empresas precisam ser honradas nas datas (afinal, elas precisam continuar em funcionamento – o que significa que precisam continuar recebendo livros para venderem)
  4. Se a recuperação for aprovada, oficializam-se os passivos e as expectativas passam a ser controladas até o último centavo para evitar qualquer atraso (sob pena de falência)
  5. Se for reprovada, a falência passa a ser quase certa

A Cultura

Nesses últimos dias, a proposta de recuperação judicial da Livraria Cultura foi formalmente aprovado.

O que isso significa? Que muito provavelmente a rede sobreviverá à tempestade e permanecerá de pé.

Seu funcionamento já mudou bastante nos bastidores: os pagamentos referentes a compras feitas depois do anúncio da recuperação judicial foram todos feitos em dia, a empresa enxugou seus custos e estruturou um plano estratégico diferente do que estava habituada. Ou seja: ainda que por força de circunstâncias tensas, ela se modernizou.

Isso é bom para você? Sem dúvidas.

Porque sem a Cultura, criaria-se um vácuo imenso no mercado que seria fatalmente preenchido por alguma outra empresa. Até aí, tudo bem… mas que outras empresas estão à altura de ocupar um patamar tão alto aqui no Brasil?

Martins Fontes? Livrarias Curitiba? Leitura? Livraria da Vila? Todas têm seus pontos positivos, claro – mas quase todas são empresas excessivamente analógicas, algumas sequer com ecommerce, o que as coloca lá no século passado. Como esperar que empresas velhas ocupem um lugar deixado justamente pela falta de modernização de outra? Seria ingenuidade pura.

Restaria, portanto, apenas uma capaz de ocupar o vácuo: a Amazon.

E experiências no mundo inteiro já comprovaram que só quem ganha quando uma empresa como a Amazon vira monopolista natural em um mercado é a própria Amazon. É ela quem passa a determinar as regras do jogo, os preços de livros, os termos de relacionamento com os autores. E a todos esses, resta aceitar. Ou deixar de atuar no mercado.

A Amazon não parece ainda uma grande ameaça para o Brasil, principalmente com essa notícia da Cultura: ela (ainda, ao menos) não tem presença física (algo importantíssimo em nosso mercado) e nem massa crítica para se tornar líder inconteste de audiência, apesar do crescimento poderoso nos últimos meses.

Quero dizer com isso que a Amazon é uma inimiga que deva ser combatida? De forma alguma! Desde que ela não seja monopolista, ela é extremamente bem-vinda. Como toda concorrência, vale acrescentar.

E a Saraiva? 

Sabe a foto do buraco negro divulgada na semana passada pela Nasa? É a imagem que me vem à cabeça quando penso na Saraiva. Sim, ela é gigante e sua quebra seria um baque… mas tem sido difícil perceber uma saída para a rede principalmente quando o próprio mercado começa a reclamar que ela não está conseguindo fazer os pagamentos cotidianos mesmo depois de ter anunciado a recuperação judicial.

É possível que ela sobreviva? Claro. Torcemos para isso? Sim, desde que isso seja acompanhado pela criação de um modelo diferente de negócios, de algo mais inovador. Acreditamos que isso vá acontecer? Na minha humilde opinião, acreditar na salvação da Saraiva está crescentemente parecido com acreditar em unicórnios. Mas espero estar enganado.

Qual o resumo para você, autor independente? 

No passado, o mercado era dividido em duas grandes redes (Cultura e Saraiva) e um mar de “outros”. Não era um mundo bom para novos autores e nem para os consumidores. Eis a vantagem do capitalismo: por um motivo ou por outro, o próprio sistema expurga situações ruins.

O modelo, portanto, quebrou.

Veio a Amazon. Vieram os grandes marketplaces, de Estante Virtual ao Mercado Livre, posicionando-se como alternativa.  Vieram novos modelos de negócio, de assinaturas mensais a audiolivros.

O mercado se redesenhou e ficou mais dinâmico e competitivo.

Quem mais ganha com isso? Você.

Porque tamanho de acervo passou a ser um dos diferenciais entre os concorrentes – o que significa que todos os que até o passado fechavam as portas para autores independentes hoje os convidam ansiosamente para as suas prateleiras.

Se você, autor independente, ganha com isso, quem mais ganha? O leitor, óbvio, que passa a ter mais opções do que os best-sellers gringos que costumavam monopolizar as livrarias.

Em resumo: o plano de recuperação judicial da Livraria Cultura foi aprovado. Isso é ótimo para você, autor independente, que terá um canal de vendas poderoso cada vez mais disposto a vender os seus livros para um público imenso.

Que venham mais boas notícias assim!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ricardo Almeida

Sou fundador e CEO do Clube de Autores, maior plataforma de autopublicação do Brasil e que hoje responde por 27% de todos os livros anualmente publicados no país. Premiado como empreendedor mais inovador do mundo no segmento de publishing pela London Book Fair de 2014, sou também escritor, triatleta e, acima de tudo, pai de família :)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *