Adversidades, aventuras, histórias

Em 1914, um grupo de exploradores ingleses decidiu lançar-se em uma missão sem paralelos: cruzar, pela primeira vez na história, toda a imensidão da Antártida, passando pelo polo sul ao longo do caminho. Seria uma viagem repleta de riscos, feita em uma época praticamente sem comunicação (o rádio estava apenas nascendo e não haveria como a tripulação se comunicar com o continente), em um barco inevitavelmente frágil para as condições e com chances pequenas de sucesso.

Para piorar, o montante pago para os marinheiros seria praticamente simbólico: quem quisesse se candidatar para a jornada o faria principalmente em nome da aventura. Veja, por exemplo, o anúncio postado nos jornais britânicos pelo chefe da expedição, o já famoso Ernest Shakleton:

Na tradução: “Procura-se homens para jornada perigosa, pagamento pequeno, frio intenso, longos meses em completa escuridão, perigo constante, jornada de volta duvidosa, honra e reconhecimento em caso de sucesso.”

Se os humanos fossem racionais, nem um único teria aparecido no endereço para entrevistas, no número 4 de Burlington Street, em Londres. Mas não somos: 5 MIL candidatos se ofereceram para as pouco mais de 25 vagas disponíveis.

O que isso prova?

Que, no fundo, o que nos move é a caça por boas histórias de vida – principalmente as que se traduzem em aventura perigosa, do tipo que capaz de absorver a plena atenção das multidões quando contadas em primeira pessoa.

No caso do Endurance – o nome do barco comandado por Shakleton – a aventura foi desastrosamente incrível: o navio afundou nos arredores da Antártida, forçou a tripulação a sobreviver por mais de um ano acampada em cima de um iceberg que, lentamente, ia se desfazendo, até que ela se lançou ao mar em pequenos barcos rumo à relativa segurança de uma ilha inóspita e, de lá, partiu em busca de socorro centenas de milhas ao norte.

A história do Endurance, imortalizada em um livro homônimo, é, até hoje, considerada uma das sagas de sobrevivência mais incríveis da história da humanidade. Eles não conseguiram cumprir a meta original da expedição. Ao contrário: sequer conseguiram pisar nas beiradas do continente antártico. Mas conseguiram cumprir, de longe, a meta efetiva: imortalizar-se em uma aventura sem precedentes, fazendo as suas vidas singularizarem-se, destoarem-se definitivamente, das dos outros bilhões de homens que perambulam nas ordinariedades do cotidiano convencional.

E aqui volto ao ponto principal do post: a sobrevivência em si chega a ser coadjuvante para a saga do Endurance. O importante, o fundamental, foi a história construída por esses bravos exploradores que enfrentaram fome, hipotermia, medo, sede e desconforto extremos em busca unicamente de uma aventura inesquecível. De um sobrenome para eles mesmos. De um legado para passarem adiante.

Valeu a pena?

Para os sobreviventes, e segundo os próprios, sim.

Para nós, que hoje podemos nos deliciar nos relatos emocionantes do impensável que eles viveram, idem.

Não há conclusão diferente que se possa chegar exceto a de que viver, ao menos no sentido filosófico da palavra – o único que realmente conta -, vale a pena mesmo apenas quando nos dispomos e enfrentar adversidades e escrever, a partir delas, as mais inspiradoras histórias.

Ricardo Almeida

Sou fundador e CEO do Clube de Autores, maior plataforma de autopublicação do Brasil e que hoje responde por 27% de todos os livros anualmente publicados no país. Premiado como empreendedor mais inovador do mundo no segmento de publishing pela London Book Fair de 2014, sou também escritor, triatleta e, acima de tudo, pai de família :)

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