A História da Chuva

Niall Williams abre o seu belíssimo livro “History of the Rain” (ou ‘A História da Chuva’, aparentemente ainda não traduzido para o português) dizendo que nós somos as nossas próprias histórias. 

Em tese, o pensamento em si não é tão original: certamente todos nós já ouvimos isso de diversos escritores ou poetas que biografam a vida. Mas há que se sair da superfície para entender o que ele realmente quis dizer. 

No livro, a protagonista cava fundo em suas memórias para recontar a história de seu pai e de seu avô como maneira de se entender melhor enquanto passa os dias acamada por uma doença grave. Há toda uma sucessão de tragédias familiares: o irmão gêmeo morre afogado, a casa pega fogo, o pai tomba, súbito, de câncer, e assim por diante.  Há o suficiente para que o leitor babe ininterruptamente de tanto chorar. 

Mas há mais. 

Entre cada pedaço de história familiar, a narradora insere trechos de histórias de Dickens, de Dante, de Shakespeare. Entre cada vida vivida, ela soma vidas lidas a partir da biblioteca de mais de 3 mil livros do pai – livros aos quais ela dedica cada minuto do tempo que lhe resta. É como se o autoconhecimento não viesse apenas da fria árvore genealógica, mas principalmente do acúmulo de conhecimentos que cada parte dela – seu pai, seu avô, seu bisavô – absorveu ao longo de suas próprias vidas. 

Algum antepassado leu Virgínia Woolf, por exemplo? Então a história se introjetou no sangue familiar, ajudando a moldar o pensamento genealógico dali para a frente. 

Parece uma viagem? E é. Principalmente porque, em um determinado momento, a história familiar real, factual, vai perdendo importância e deixando-se substituir pela história romanceada, imaginada, escrita e, portanto, imortalizada.
Ao final do livro, o leitor não tem sequer a certeza do que realmente aconteceu – mas esse real fica tão irrelevante frente à maneira com que a narradora expõe seus desejos como fatos passados que o pensamento que abriu este post ganha uma nitidez incrível. 

Sim: somos as nossas próprias histórias. Mas não apenas porque foram elas que embasaram as nossas visões de mundo e sim porque foram – e são – elas que, repassadas adiante, significam o que sonhamos ser e o que, lá em nosso íntimo, mais acreditamos ser. E isso é algo muito, mas muito mais real do que a própria realidade. 

Ricardo Almeida

Sou fundador e CEO do Clube de Autores, maior plataforma de autopublicação do Brasil e que hoje responde por 27% de todos os livros anualmente publicados no país. Premiado como empreendedor mais inovador do mundo no segmento de publishing pela London Book Fair de 2014, sou também escritor, triatleta e, acima de tudo, pai de família :)

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