Bem vinda, crise política

Meu Facebook amanheceu em guerra na segunda-feira, um dia depois das eleições. Havia de tudo: esquerdistas dizendo que estariam buscando exílio em Cuba, direitistas comemorando em estado de euforia a estrondosa derrota do PT nas urnas. Havia gritos de guerra, clamores por resistências, medos e esperanças.

A única coisa que não havia era discurso de pacificação, de união, de calmaria pregado por quem quer que seja.

Não entrarei aqui com nenhuma opinião sobre o que é bom ou ruim para o Brasil e nem sobre as benesses de uma sociedade pacificada, por assim dizer: o foco desse blog é a literatura, não a política.

E, sob o aspecto puro da literatura, por mais paradoxal que seja, só temos a comemorar esse clima de guerra.

Literatura, como toda arte, tem nos conflitos o seu oxigênio mais puro.

100 Anos de Solidão foi parido no mesmo período em que toda a América Latina se transformava em berço de ditaduras sanguinárias. Proust escreveu boa parte de sua obra-prima às vésperas da I Guerra Mundial. Sartre mudou o mundo com A Náusea mais ou menos no mesmo período que a II Guerra Mundial se iniciou. Cervantes escreveu Dom Quixote, o livro mais lido de todos os tempos, ao final de uma devastadora guerra de 19 anos entre Inglaterra e Espanha. Memórias do Cárcere foi escrito enquanto Graciliano Ramos estava atrás das grades, como preso político, na era Vargas. O cubano Pedro Juan Gutierrez tem preciosidades como ‘O Rei de Havana’ escritas em decorrência da miséria animalesca que ele viveu na capital da ilha de Fidel. Exemplos de obras primas compostas em períodos de pura tensão são tantos que listá-los daria um livro à parte.

Sim, é claro que se encontrará grandes obras mesmo nos períodos mais calmos da humanidade: a literatura não segue uma receita, uma fórmula de aritmética básica. Mas é fato que períodos de grande turbulência política e social são especialmente férteis para a literatura.

Tenho uma opinião sobre isso: a arte, em todas as suas formas, é uma maneira de fazer a alma sobreviver às agruras da vida e do mundo. Em momentos com concentração de conflitos, consequentemente, há mais espaço, mais inspiração para se criar. Há mais tempo. Há mais disposição.

Há, sobretudo, mais necessidade.

Assim, me encontro em uma posição curiosamente contraditória.

Como cidadão, compartilho o sofrimento de ver o meu país tão dividido e cheio das mesmas absolutas certezas, para qualquer que seja o lado, que o fizeram chegar ao abismo em que se encontra. Torço para que todas as mazelas trazidas pela crise vão embora o quanto antes.

Como amante da literatura, por outro lado, observo esse situação de “semi catástrofe social” com um ar que excitação pueril, de ansiedade, quase que de felicidade por ter a certeza de que teremos como legado livros que mudarão a maneira de vermos o mundo.

Em resumo? Torço, claro, para que essa crise social vá embora o quanto antes – mas que, como diria o Vinícius, seja infinita o quanto dure.

Keiskamma-Guernica

Ricardo Almeida

Sou fundador e CEO do Clube de Autores, maior plataforma de autopublicação do Brasil e que hoje responde por 27% de todos os livros anualmente publicados no país. Premiado como empreendedor mais inovador do mundo no segmento de publishing pela London Book Fair de 2014, sou também escritor, triatleta e, acima de tudo, pai de família :)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *