O México tem, por excelência, uma cultura oral praticamente sem precedentes no mundo. Em parte como forma de manter as culturas indígenas locais – que vão dos maias aos aztecas, passando por toda uma pletora de nações menos conhecidas – vivas, o povo simplesmente se habituou mais ao habito de conversar suas histórias do que de escrevê-las.
Vemos isso com uma facilidade impressionante aqui na Feira Internacional do Livro de Guadalajara. Há, no interior do pavilhão de exposições, todo um conjunto de forças de mercado trabalhando para catapultar as histórias para para os papéis, dando mais força e menos fronteiras a elas.
Do lado de fora, no entanto, a vida é outra. Há, em todos os bancos de praças, em todos os botecos de esquina, em todas as escadarias de igreja, velhos contando as histórias e sabedorias de suas vidas para os mais novos. O fio de conhecimento chega a ser aparente, tangível, ligando a boca de uns com os olhos e ouvidos de outro e suscitando expressões de espanto, de curiosidade, de temor, de amor.
O desafio maior para a literatura é esse, creio: capturar a sabedoria do mundo em algumas tantas folhas de papel para, a partir daí, devolvê-la de maneira mais organizada e livre para o mesmo mundo.
É diferente no Brasil? Sem dúvidas que não.
Não temos uma tradição oral tão robusta quanto a desse povo encrustrado entre as duas américas e entre as tantas civilizações que os fizeram, mas a que temos está longe de ser desprezível.
Grandes gênios como Monteiro Lobato ou Jorge Amado perceberam isso e pregaram nossas lendas locais em suas histórias. Foram os nossos intérpretes, os nossos guias, os Virgílios dos que quisessem se aventurar pelas profundezas do nosso país.
Nós, autores independentes, temos muito o que aprender com eles. Nosso papel não é apenas o de conceber e escrever fantasias individuais, mas sim de cruzá-las com toda a cultura popular à nossa volta para criar uma narrativa que mescle, em sua extraordinariedade, pais e filhos, contextos populares reais e seus personagens inventados.
Não que exista alguma competição internacional, claro, mas me parece inquestionável, principalmente depois de testemunhar tantos contrastes narrativos no coração do México, que os pódiuns da literatura internacional irão para os países e escritores que melhor conseguirem capturar as tradições narrativas orais e transportarem-nas, com maestria, para o papel.
Escrever, ao que parece, não é apenas conceber. É, antes disso, saber observar, ponderar, e usar as tintas que as nossas próprias culturas já nos deram para pintar os melhores quadros possíveis.