O argumento interno que Raskólnikov, protagonista de Crime e Castigo, de Dostoievsky, usa para justificar o assassinato de Alyona Ivanovna que ele está prestes a cometer, é que assim ele estará livrando o mundo de uma ser desprezível responsável apenas por malfeitos.
Alyona Ivanovna era uma senhora mesquinha, que vivia de comprar e vender bens de quem caiu nos infortúnios da vida e de fazer empréstimos a juros extorsivos. Era uma agiota inescrupulosa, daquelas que tinha prazer em usar a miséria alheia como escada para patamares mais altos de acúmulo de riqueza própria e, no caminho, ia deixando um rastro incalculável de pobreza e sofrimento.
Juros extorsivos? Uma passagem do livro esclarece isso: “ela chega a cobrar de 5 a até 7% ao mês!”, desabafam, espantados, alguns de seus conhecidos.
Juros 5 a 7% ao mês era algo considerado extorsivo até para patamares de agiotas russos do século XIX.
No Brasil, a taxa de juros do cheque especial fechou 2016 em 314,51%. A do cartão de crédito, em 453,74%.
E nós seguimos tocando as nossas vidas como se tudo fosse normal.
A literatura, às vezes, nos traz revelações estonteantes sobre nós mesmos. Essa é uma delas: sabe-se lá como ou por quê mas, ao longo do tempo, nós nos transformamos em uma sociedade inteiramente composta de pacatos imbecis.