Entrevista Realtrágica

O blog já registrou aqui uma nota sobre o movimento realtrágico – uma linha literária nova, diferente, e que vem sendo alvo de muita discussão.

Hiago Rodrigues Reis de Queirós, protagonista do movimento, publicou alguns de seus livros no Clube de Autores – e fomos atrás de uma entrevista para esclarecer melhor o movimento aos leitores.  

Clube de Autores: Fale um pouco sobre você. Quem é Hiago Rodrigues Reis de Queirós?

Hiago Rodrigues Reis de Queirós: Sou um escritor que não é político e que portanto não quer ser amigo de todos. Que mais?… sou uma pessoa que vê tudo torto e que não tenta, mas que já tem como certeza de que vai fazer o que está torto endireitar-se. Assim venho fazendo literatura: sempre vendo nela algo de errado e tentando a isso consertar, mas sempre vou errando a cada novo livro. É como se eu imaginasse um livro perfeito e fosse escrevê-lo, mas ao fim: visse que este não o foi meu livro perfeito e que preciso então escrever outro… e outro e outro.

Clube de Autores: Você já tem uma grande quantidade de livros publicados – além de manter alguns blogs e de ser presença garantida nos círculos literários da Internet. Isso aponta para uma produção cultural em larga escala. Como é o seu processo criativo? O que gera em você o impulso de escrever?

Hiago Rodrigues Reis de Queirós: Sempre fui muito papudo, e ainda criança, com meus sete ou oito anos, meus amigos, em vez de irem me chamar para brincar, me chamavam para que eu contasse-lhes as aventuras que meu pai estava tendo na sua viagem (acontece que eu não tinha pai). Aí virei o contador de causos da minha turma, e sentávamos no meio da rua, ao resto da tarde, para que eu fizesse as histórias ali.

Comecei mesmo a escrever com onze para doze anos de idade, quando fiquei sem meus amigos e tive que lhes escrever as aventuras de meu pai por cartas. Então, minha iniciação na literatura nada mais foi do que os rascunhos daquelas cartinhas, mas minhas histórias sempre foram problemas para mim, como se eu contasse inicialmente sobre uma situação, e uma voz lá no fundo (que antigamente era a voz dos meus colegas: Leandro, Edelvan, Daniele, Tiago e meu irmão Gabriel) me perguntasse: E AGORA, HIAGO, O QUE ACONTECE? Esse é um problema que tento resolver enquanto escrevo: acabando uma cena, outra origina-se e o que tenho que fazer é resolvê-la: escrevendo outra cena, e assim sucessivamente.

Clube de Autores: O que é a Realtragédia?

Hiago Rodrigues Reis de Queirós: Realtragédia ou mais conhecido como Realtragismo, é inicialmente o meu jeito de pensar o fazer artístico como uma forma de reflexão do ser humano sobre sua existência, mostrando que os resultados da alienação de uma vida agitada pela obrigação de sobreviver causa a tragédia. Ou seja: quero propor aos artistas (e isso fiz no Manifesto Realtragista, em 2006) a comporem uma arte que convide à reflexão, provocando o receptor a agir mais do que somente reagir à sua realidade. E isso se torna mais tangível quando vemos esses cidadãos que estão muito ocupados com suas vidas e que só se perguntam se há algo de errado quando aviões começam a cair e quando crimes ediondos são cometidos, mas ninguém quer mudar as atitudes que fazem a realidade antes destas tragédias, todos remediam, pois todos estão muito ocupados em somente sobreviver. Esse é o meu modo de pensar a utilidade da arte nos dias de hoje, fora isso ela torna-se inútil e até passa despercebida se posta ao lado do entretenimento que hoje temos em diversos módulos e modos.

Depois, em 2007, muitos colegas começaram a procurar obras de arte: na pintura, na música, no cinema, na novela, nos livros, no teatro e etc. que também “causasse um certo repensamento e uma provocação sobre a maniera de se viver e encarar a realidade”. Essas obras e não os artistas que as comporam, foram chamadas de obras Realtrágicas.

Clube de Autores:
Você poderia dar um exemplo?

Hiago Rodrigues Reis de Queirós: Os filmes: Jogos Mortais; Bicho de Sete Cabeças; Última Parada 147; 8 Milímetros e outros tantos que estão em discussão; assim como a novela: a Favorita e algumas pinturas de Miram Braga, essas são as obras de arte que alguns discutem nos blogs: http://realtragismo.blogspot.com e http://realtragistas.wordpress.com como sendo Realtrágicas. Eu, somente vejo, mas não comento. Não quero propor uma modinha, mas sim uma forma engajada e responsável de fazer arte.

Clube de Autores: Como nasceu o movimento?

Hiago Rodrigues Reis de Queirós:
Essa história de movimento só pode ser aceita quando alguns artistas (famosos ou não) desejaram assinar abaixo do Manifesto que eu publiquei no dia 20 de março de 2006. Mas eu não achei legal porque, como já disse: não é modinha, e por isso cada artista que quiser se dizer ou ser dito Realtragista tem que apresentar algumas característas em suas obras, como:

*Na história, as tragédias são fenomenais, ou não são causadas por um personagem que está em deliberação.

*Um qualquer gesto que convide o recpetor à reflexão, e não só à zombação ou opinação de seus valores, tem de estar “explícito”.

*O homem tem de estar posto de forma crua, sem eufemismos, ultra-lirismos nem egocentrismos, podendo-se usar o contra-ponto do neurotismo, onde exagera-se certas pesonagens para marcar dois ou mais extremos.

*Não pode exisitir uma epicidade unânime, como reforço de heróis, ou defenção de somente um dos antagonistas. Sempre mostrando o lado mais extremo de cada parte, chocando-se à outra, de forma que provoque a reflexão, e não mais a indução do receptor da arte a conver com um apenas tal ou qual lado da história.

Assim… não adianta o artista aparecer nos jornais e se dizer Realtragista. O que vai dizer vai ser sua obra.

Clube de Autores: Quais as principais influências da Realtragédia?

Hiago Rodrigues Reis de Queirós: Costumo dizer (somente porque muitas pessoas inteligentes já disseram) que o Realtragismo é o resultado da História, ou seja: da Realidade. E que veio desembocado em reação à vida, assim como o Romantismo veio desembocado do Racionalismo Iluminista; assim também como o Realismo veio desembocar-se em reação ao Romantismo, o Realtragismo vem após não o Modernismo, ao Cubismo, ao Dadaísmo, ao Surrealismo, ao Concretismo e tantos “ismos que somente explicam o modo de fazer arte na matéria física”, não: o Realtragismo é mais filosófico, e diz mais sobre o que a “arte quer dizer” do que sobre como dizer. Assim: um concretista pode usar do Realtragismo, assim como o Surrelista e o Modernista… o que é o Realtragismo além de uma cobrança por um repensamento sobre a realiadade? Ora, o que vamos fazer para isso fica a critério de cada, basta que o faça. Por isso, dizer que há influências é complicado, porque tudo o que foi a favor, como o Realismo, o Existencialismo e a Provocação Interrogativa e Duplamente Parcial (onde se apresenta dois extremos, mas sem se por ao lado de nenhum, apenas discutindo-os), ou até mesmo o que em nada contribuiu com referências, ajudou o Realtragismo a ganhar corpo e discurso; Realtragismo este que é inspirado na Realidade, somente, sendo então: auto-destrutivo, pois quando não for mais necessário, ele se acaba, e esse fim do Realtragismo só será possível com uma democracia ao extremo de participativa e uma reflexão ao extremo de vários pontos e não só dos pontos do que é bom, ou só dos ruins.

Eu mesmo descobri o Realtragismo comigo, pois minhas influências sempre apresentaram suas personagens defendendo teses, defendendo os pobres e oprimidos, defendendo o amor, defendendo a razão, a realidade
das coisas… ou seja: eles todos defendiam somente seus pontos de vista, eu não defendo nada e ataco a tudo e a todos  (pobres ou ricos, fortes ou fracos, todos são pessoas), ou seja: eu provoco..

Clube de Autores: Como você classificaria o movimento realtrágico em relação aos tempos em que vivemos, de liberdade completa e anárquica de informação, globalização, crise etc.?

Hiago Rodrigues Reis de Queirós: Toda tragédia é o resultado da alienação da realidade. Acho que hoje em dia temos que nos desdobrar para ocupar muitos papéis na sociedade, e por isso temos que desenvolver ao mesmo tempo que aprender e adaptar várias linguagens para que somente sobrevivamos. Tudo é feito pela sobrevivência, e viver então tornou-se tão alienativo quanto a alienação Marxista, ao passo que somos também obrigados a nos reconhecer com tudo o que fazemos, para que assim possamos tirar uma “vivência superficial” desta sobrevivência. O resultado disso é uma individualização, pois cada ser tem que criar-se hoje em dia (dias de liberdade completa) e não mais se cria um ser usando seu grupo cultural (sua pátria) de exemplo, mas sim colhendo informações e conhecimento de todo o mundo para se criar. Com isso, a pessoa humana tornou-se muito maior do que uma pessoa da década passada, mas ficou muito pequena a sua visão de mundo fora de si, como se a realidade não mais lhe fizesse, mas sim como se cada pessoa escolhesse o que da realidade lhe forma. Isso é errado fazer. Eu uso uma informação e um determinado conhecimento que escolhi sim, mas quando uso, estou reagindo à realidade; realidade esta que está na mão dos Governos Representativos e das instituições que são sem cara, cheias de burocracia..

Assim: o ser humano participa em alto grau de sua criação, mas não está mais participando do que faz sua criação. Ele se interiorizou e esqueceu que este interior está em função do exterior, que seu modo de ser está sendo criado para reagir e agir na realidade, em vez de somente sobreviver, e este ser só percebe que há um mundo fora de si e de sua vida, quando pessoas (que são como ele) sofrem com uma tragédia. Daí o calo apeta, e todos vão reclamar, mas, quem foi o culpado além de todos os que “deixaram e não os que fizeram” aquilo acontecer? Entende: Hoje apenas remediamos a tragédia, punindo os culpados, mas não prevenimos, discutindo como fazer uma realidade que não dê em tragédia.

Clube de Autores:
Que livros seus são os melhores exemplos da Realtragédia e por quê?

Hiago Rodrigues Reis de Queirós: Meu primero livro com uma reflexão Realtragista explícita foi o Hotel da Miséria Humana. Antes eu fazia literatura, como já disse: resolvendo problemas com personagens. Depois de 2006, passei a “querer dizer algo com meus livros” e este algo é o pensamento provocativo do Realtragismo. Depois de Hotel da Miséria Humana, onde descrevi um ser que não tem motivos para viver e que se mata ao fim do livro, pus ali a discussão do motivo único de se viver: que é viver; e não o de ser feliz, não aprender nem amar, apenas viver… e a contradição que vai transformar-se em provocação é que: procurando ser feliz ou amar estamos vivendo. Hiago, que é o protagonista, se mata sem sofrer, sem angústia suicida, mas também não celebra a morte, pois sabe que, se se matou por não ter motivo para viver, pode também ter vivido apenas para se matar. Ou seja: todos meus livros após este são contraditórios e não têm uma razão, não são para serem entendidos, mas sim compreendidos os pontos de discussão. Eles não levam o leitor a certeza nenhuma, apesar de as histórias não serem monótonas e terem sim um início e um fim, feliz ou triste; é somente quem lê que se leva à conclusão, escolhendo no que acreditar e defender. Você não vai encontrar um pobre para sentir pena dele durante toda a história. Não vai encontrar um rico para odiar, apenas “reações às circunstâncias” para escolher se cada personagem é do bem e do mal, e com isso: se cada ação ou valor moral é bom ou ruim. Essa é a literatura Provocativa do Realtragismo.

Clube de Autores: Que mensagem você gostaria de deixar para os seus leitores?

Hiago Rodrigues Reis de Queirós: Não esperem de mim a clareza, tentem ler meus livros como os óculos para vocês enxergarem o que quiserem ver. Não estou mostrando um tipo ou a ideal realidade com os meus livros, apenas quero que cada um se pergunte qual é o tipo ideal, que discutam e que possam fazer algo para transformá-la neste ideal. Muito obrigado pela atenção.

Mais infromações sobre a origem e o que é o Realtragismo: www.realtragismo.webnode.com

Sobre o Autor:

Hiago Rodrigues Reis de Queirós nasceu no dia 13 de outubro de 1989, no bairro da Lapa, zona oeste da cidade de São Paulo. Começou a escrever muito cedo, publicando seu primeiro livro em 2003, um romance, chamado: Sangue Espirrado, que foi proibido de ser publicado pela própria mãe do autor, pois o livro era muito violento. Teve somente 73 cópias distribuídas, aos amigos, todas em formato A5 encadernado, que foram vendidas na escola, durante a hora do recreio, por 3 reais cada.

Após este livro, o autor escreveu o romance Uma Carta Para João, que também foi proibido pela mãe de ser publicado, pois ia contra a religião da família, que era evangélica, e que somente em 2008 teve a publicação liberada, pois o autor tornou-se maior de idade.

De 2003 para 2007, Hiago escreveu cinco livros de poesia com o mesmo título, mudando apenas a numeração e somando 565 poemas, a coleção Prosas Que Versam… e as vezes rimam, mostraram um poeta com um alto poder de criatividade, que seguiu escrevendo, paralelamente, o livro contos: Contos que Contam… o que todo mundo sabe contar, e os romances: OS TR3S ERROS, O Fim do Poeta, Hotel da Miséria Humana e Uma Ligação.

Em 2008 foram terminados os romances As Cinzas da Fênix, e Olhares em Eclipse, assim como os livros de poesia Silêncio Interno e Acerto de Contas; e as peças para teatro: O Baú do Escritor; Imprigma; As Lágrimas do Príncipe e: A Morte em Depressão.

Hiago é também o organizador da comunidade poética Poesistas, e o administrador do site de literatura O Literático.
 

Conheça o blog do autor: http://hfalante.blogspot.com

Ricardo Almeida

Sou fundador e CEO do Clube de Autores, maior plataforma de autopublicação do Brasil e que hoje responde por 27% de todos os livros anualmente publicados no país. Premiado como empreendedor mais inovador do mundo no segmento de publishing pela London Book Fair de 2014, sou também escritor, triatleta e, acima de tudo, pai de família :)

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