O que bons livros infantis guardam em suas páginas?
Histórias, para crianças, podem às vezes ser muito mais vinculadas ao momento do que à educação em si.
Claro: a somatória de pequenas histórias voando mente adentro certamente terão uma espécie de efeito de impregnação, fazendo a linguagem tomar formas muito mais importantes e impulsionando a formação de um tipo de inteligência vital para o sucesso na vida adulta. Não discuto isso – mas meu ponto é outro.
Da mesma forma que no mundo adulto, o sucesso de histórias depende fortemente do momento em que elas são escritas e contadas. Um exemplo básico? Shakespeare.
Todas, absolutamente todas as suas grandes peças tiveram os seus enredos baseados em fatos que estavam mexendo com o imaginário popular. Othello foi escrito quando Elisabeth I expulsava os mouros de Londres; o Rei Lear se baseou em um caso jurídico real que se transformara na grande fofoca do reino; MacBeth foi feita para celebrar, por meio de metáforas, a linhagem do monarca James I , para quem a peça foi escrita.
A receita de Shakespeare sempre foi simples (o que, ressalvo, não subtrai em nada a sua genialidade): entender o que estava movendo o povo e criar uma peça que metaforizasse o momento para angariar um tipo mais entusiasmado de atenção.
Saiamos da Inglaterra do século XVII e partamos para os quartos de nossos pequenos filhos. Há diferença?
Menos do que imaginamos.
Leia uma história frugal qualquer para o seu filho e, depois, outra que tenha a ver com algum grande tema da infância (medos, ansiedades, transformacões etc.).
Leia, por exemplo, um livro que fale da importância da individualidade quando uma criança começa a se colar em seus melhores amigos na busca por aceitação social – ou sobre como lidar com alguma perda em um momento em que a vida ou o destino subtraírem alguma coisa (ou pessoa) importante do cotidiano.
A diferença é de uma obviedade tão espessa que quase se pode tocá-la no ar. É quase como um valiosíssimo antídoto mental para se resolver questões novas emaranhadas nas indecisões de suas pequenas mentes.
Quando há algum paralelo entre a historinha e o momento de vida da criança, o enredo acaba emprestando a ela ferramentas importantíssimas para que consiga desvendar os grandes mistérios por trás de cada decisão ou postura que deva tomar. É como se livros assim, simples na superfície mas densos de significado, ativassem metáforas fundamentais para se lidar com o sempre assustador (e encantador) mundo real.
Isso significa que gibis e versões impressas de desenhos animados cotidianos, mais cheios de entretenimento do que de crescimento, sejam inúteis? Claro que não: às vezes, um pouco de entretenimento puro ajuda a soprar alívio nas sempre tumultuadas mentes das crianças.
Mas significa que histórias, principalmente para crianças, são ferramentas essenciais para impulsionar a sempre difícil tarefa de se maturar intelectualmente. E, assim sendo, a escolha de cada livro de cabeceira, de cada historinha para dormir, acaba tendo uma relevância absoluta para o processo educacional.
Se escolher um livro já é difícil para adultos, cujas mentes já estão relativamente prontas, imagine então para uma criança que precisa deles para se formar.
E se você quiser escrever um livro infantil?