Livros são, antes de mais nada, registros de histórias relevantes.
Podem ser ficção, não ficção, manuais técnicos ou qualquer gênero existente: seja como for, livros são compilados estruturados de conhecimento.
Mas há algo nessa frase acima que deve ser relido: a palavra “estruturados”.
Todos, afinal temos alguma história para contar sobre alguma coisa qualquer que vivemos ou imaginamos – mas isso não significa que todos consigamos efetivamente escrever um livro de sucesso (qualquer que seja a medida de sucesso considerada) com base nessa história.
É preciso, antes de mais nada, estruturar a história, dar a ela a cadência necessária para que capte não só o entendimento do leitor, mas também – e talvez principalmente – o seu desejo em continuar lendo-a.
Assim, se você tiver uma história para contar, ótimo: já é o primeiro passo para escrever um livro. Só não se esqueça que a estrada será longa e que ainda haverá muitos passos a serem dados – muitos dos quais serão explorados aqui, neste guia, com o único objetivo de auxiliá-lo por esta inenarrável aventura que é criar mundos.
Como publicar um livro?Há uma diferença muito pouco sutil entre a história falada e a história escrita: a fala carrega tons e entonações que dificilmente podem ser replicadas pela escrita. Por este mesmo motivo, histórias faladas permitem mais liberdades com o nosso idioma, são mais soltas, mais “musicais”.
Na história escrita, tudo muda: nela, a entonação é dada pelo leitor, não pelo narrador.
A posição de uma vírgula pode quebrar todo o ritmo da frase ou mesmo alterar o seu sentido; a falta de vírgulas pode deixar o leitor com absoluta falta de ar, asfixiando a história inteira; tempos verbais errados (como usar o ‘quer que eu faço isso?’ ao invés de ‘quer que eu faça isso?’) podem assassinar a imagem do autor perante o leitor – imagem que sempre deve ser mantida no mais alto patamar pelo bem do enredo.
A história escrita depende, por óbvio, da escrita, e quanto mais mambembe, quanto mais desconectada do nosso idioma, ela for, mais difícil será cativar uma base interessante de leitores. Vemos isso no cotidiano do Clube de Autores: se há um ponto comum na imensa maioria dos livros mais vendidos aqui é que eles passaram por uma revisão profissional antes de chegarem às prateleiras.
Temos um idioma que, embora belíssimo, é carregado de sutilezas e de minuciosas regrinhas para tudo. É difícil, muito difícil, dominar todos os detalhes do português – mas usar isso como desculpa para não se aprofundar no básico não ajuda o autor em nada. Quer viver da escrita? Estude seu idioma.
Histórias bem escritas, afinal, são também histórias mais lidas, como se pode concluir por obviedade.
E bons livros têm os seus enredos bem escritos, não cuspidos de qualquer maneira em folhas em branco.
É impossível escrever bem se você não lê bem. Aliás, isso não deveria sequer ser uma questão: é um privilégio inenarrável termos, hoje, a possibilidade de ler tanto por tão pouco. Temos, ao alcance de todos, gênios como Guimarães Rosa, Mia Couto, Tolstoi. Mestres que praticamente refundaram idiomas inteiros e criaram modelos de expressão literária absolutamente revolucionários.
Como sequer querer multiplicar leitores sem antes entender como esses grandes mestres dos nossos e de outros tempos o fizeram? Ou, refazendo a pergunta: para quê desperdiçar essa base tão gigantesca de conhecimento que está ali, ao nosso alcance?
E isso porque estamos falando aqui apenas dos mestres já consagrados.
Há outros: há os escritores independentes que apenas agora começam a criar os seus públicos. E por que eles são fundamentais? Porque a literatura do futuro está sendo desenhada justamente por eles.
Há como ser um escritor incrível sem ser um leitor ávido? É possível, claro, mas não provável. E decididamente não é um caminho que pareça muito inteligente.
Quer um lugar ao sol junto aos mestres da literatura? Comece pelo caminho mais fácil e óbvio: aprenda com eles.
Faça uma lista de histórias e livros que te interessem e mergulhe neles. Leia não com um olhar leigo, mas sim como um explorador desbravando um novo universo: atente-se à cadência das frases, às palavras, às referências utilizadas, à maneira com que o autor brinca com o tempo e apresenta protagonistas e antagonistas, a toda a construção da trama.
Aliás, ao invés de apenas ler, estude as obras que considerar referências importantes para você.
Não que você precise seguir uma espécie de receita de bolo – escrever sempre dependerá de um estilo essencialmente individual. Mas o simples fato de você estudar os seus próprios mestres o fará ampliar, decisivamente, os limites da sua própria capacidade criativa.
Zeitgeist é uma palavra alemã que significa “espírito do tempo”. Sua aplicação prática: entender qual o conjunto de valores que está efetivamente movendo uma sociedade em um dado momento para que se consiga tomar proveito disso.
O “tomar proveito”, nesse caso, significa surfar a onda de uma comoção popular já formada e, portanto, deixando algo que se queira vender (seja um produto ou uma história) com uma vantagem fundamental. E, apesar do conceito parecer recém saído das páginas de um livro de marketing, ele já era essencial há séculos.
Tome Shakespeare, por exemplo.
Todas, absolutamente todas as suas grandes peças tiveram os seus enredos baseados em fatos que estavam mexendo com o imaginário popular. Othello foi escrito quando Elisabeth I expulsava os mouros de Londres; o Rei Lear se baseou em um caso jurídico real que se transformara na grande fofoca do reino; MacBeth foi feita para celebrar, por meio de metáforas, a linhagem do monarca James I, para quem a peça foi escrita.
A receita de Shakespeare sempre foi simples (o que, ressalvo, não subtrai em nada a sua genialidade): entender o que estava movendo o povo e criar uma peça que metaforizasse o momento para angariar um tipo mais entusiasmado de atenção.
O bardo, no entanto, viveu em um tempo de poucas imensas mudanças sociais – o oposto do nosso.
Nossos tempos são mais agitados: há pequenas revoluções, por assim dizer, acontecendo a cada par de dias. Olhe para a política brasileira: não há uma só semana em que tudo não esteja na iminência de uma ruptura completa.
Olhe a política americana: não dá para dizer que a gestão Trump, com todas as suas promessas xenófobas e radicais, tenha pacificado o planeta.
Olhe para os refugiados do Oriente Médio, para a falta de preparo da Europa em recebê-los e para o absoluto caos gerado por causa disso. Olhe para o Brexit.
Olhe ao seu redor.
O mundo tende a ser um lugar muito, mas muito mais tenso do que o que já foi em qualquer ponto do passado pós revolução industrial.
E por que isso tem alguma relevância em um guia para escritores?
Porque, se nos permite a frieza, nunca um mundo entregou tantos zeitgeists e tanta inspiração para histórias.
Esse lugar quente, feito de cataclismas semanais e de radicalismos diários, é uma espécie de paraíso para mover mentes e corações e gerar clássicos talvez muito mais intensos que os da Inglaterra Shakespeariana.
Para quem está do lado de cá das prateleiras, apenas acompanhando a literatura moderna enquanto ela se forma, é um tempo que se pode traduzir no mais puro entusiasmo.
Para quem está do lado daí, escrevendo, torna-se cada vez mais imperativo saber como aproveitar bem esse nosso mundo tão inclinado a se revolucionar.
O resumo dessa regra? Busque banhar o seu enredo, de todas as formas possíveis, nos grandes temas que estiverem movendo a opinião social do seu público leitor. Acredite: só isso já servirá como um poderoso convite para que eles se entreguem de corpo e alma às suas páginas.
Se você já leu a obra prima Cem Anos de Solidão, do vencedor do Nobel de Literatura Gabriel García Marquez, certamente foi impactado pela árvore genealógica da família Buendía que, por gerações e gerações de nomes praticamente idênticos, chegam a confundir o leitor quanto a quem fez o que, quando e onde.
Mas… se há tanta confusão, como foi, exatamente, que esse livro se transformou em um dos maiores clássicos da história da literatura mundial?
Simples: cada um dos personagens tem uma história própria, uma personalidade marcante e absolutamente singular.
Mais do que nomes riscados em uma folha, os personagens de García Marquez têm os seus próprios medos, traumas, angústias, esperanças, ímpetos. Todos são fruto de suas sociedades, de seus tempos e de suas ambições, o que dá ao romance uma credibilidade formidável.
Mais do que isso: as personalidades são tão vivas que o leitor costuma não apenas se identificar, mas se apaixonar pela saga dos Buendías, criando um tipo de laço que costuma existir apenas aqui fora, na vida real.
O que se aprende com isso?
Que personagens precisam ser mais que nomes jogados no meio de uma história.
Quando for criar os seus, assegure-se de dar a eles uma história que inclua tudo, de medos a motivações.
Mesmo que parte dos traços de personalidade não encontrem espaço na narrativa em si, mantenha-os anotados para evitar que um determinado personagem aja de maneira incoerente com quem ele realmente for.
Seu livro, naturalmente, se passa em algum lugar – seja ele real ou imaginário. E mesmo que ele seja imaginário, sua imaginação certamente se baseou em algum (ou alguns) lugares reais, com auras e climas próprios.
Da mesma forma, seu livro também se passou em algum tempo. Seja na antiguidade clássica ou em um futuro distópico, o fato é que o tempo da sua narrativa certamente foi moldado e abalado por acontecimentos que fizeram todos, de personagens a cenários, chegarem onde chegaram.
Se estiver trabalhando em um romance sobre a ditadura militar brasileira, terá um enredo provavelmente abalado por um zeitgeist de medo, censura, guerra fria.
Se estiver concebendo uma história de amor nascida nos confins dos sertões nordestinos, terá um ambiente forjado pela lei do mais forte e pela escassez absoluta.
Se estiver historiando a vida do Rio de Janeiro no período imperial, perambulará sobre uma sociedade perdida entre os impulsos da modernização e o conservadorismo distópico característico de um reino europeu nos trópicos latinos.
Seja qual for o tempo e o espaço do seu romance, pesquise tudo o que conseguir.
Quais foram os personagens reais que marcaram época? Quais os fatos que movimentaram a opinião social? Quais os costumes? Quais as situações políticas? Quais os níveis de caos abalando os mundos em que suas histórias se passarão?
Se você tem uma linha de tempo, cenários críveis, personagens densos e um zeitgeist amarrando a tudo e a todos em uma mesma teia aderente, então resta a parte efetivamente divertida: escrever.
E aqui a regra é a mais simples de todas: dê espaço para que suas mãos, provavelmente já agoniadas, se derramem pelo teclado.
Nem sempre saberemos ao certo por onde começar, claro – mas, dado todo o material já colecionado sobre a história, aqui é o momento de deixar as mãos decidirem.
Busque apenas ficar a sós com o teclado e com suas anotações em algum ambiente propício à concentração e pronto. Comece.
Deixe vir uma palavra aqui, outra ali… Deixe surgir o eventual arrependimento, apagando frases inteiras e produzindo novas.
Na dúvida, recorra à suas anotações sobre a história. Se necessário, ajuste-as um pouco. Ou muito.
Mas siga.
Olhe em frente, testemunhando em primeira mão pessoas se metamorfoseando em personagens. Na imaginação, nomes passarão a se colar a faces, passados a rugas, futuros a olhares.
Encontros e desencontros inventados, e não por isso menos reais, povoarão o imaginário do escritor que ficará dali, de uma mesa discreta, arquitetando os destinos do mundo.
E que mundo, acrescente-se. Bem melhor que o de carne-e-osso, feito apenas do que vemos e não do que pensamos. O mundo de quem observa escrevendo inclui tantos pensamentos e inconscientes alheios que faz da realidade algo tão tedioso quanto uma samambaia dormindo no canto de uma sala escura.
Enquanto isso, o teclado metralha. Frases desconexas vão ganhando sentido, parágrafos vão se erguendo como que por mágica, capítulos vão se formando como cidades inteiras. Mundos inteiros vão nascendo, feitos para o deleite do seu Criador que constrói, destrói, cria e mata.
É, afinal, hora de escrever.
É hora de olhar ao redor e de voltar a imaginar as imaginações dos que passam crus, inocentes, aguardando sem saber os seus destinos serem esculpidos.
É hora de ignorar uma realidade para criar outra.
É hora de ser escritor.
Com as palavras… o especialista:
Dicas de George Orwell sobre como escrever bem
Já que tanto falamos sobre mestres e referências, por que não abrir uma seção de dicas partidas exatamente de um deles?
George Orwell é, provavelmente, um dos escritores mais lidos do mundo. Autor de A Revolução dos Bichos e 1984, ambos com uma concepção distópica de sociedades “pseudo-comunistas”, ele cativou leitores por todo o planeta.
Boas ideias para livros, no entanto, são apenas parte da fórmula de sucesso de qualquer escritor. Além disso – e de outros ingredientes como, por exemplo, pitadas de sorte e competência em autopromoção – há que se escrever bem. Claro.
E não é que Orwell criou uma espécie de manual para se escrever bem? Veja as suas seis regras abaixo:
• Nunca use uma palavra longa quando uma curta resolver
• Se for possível cortar uma palavra de um texto, corte
• Nunca use a voz passiva quando puder usar a voz ativa
• Nunca use metáforas ou comparações que já forem “lugar-comum” (e que, portanto, você já tiver visto inúmeras vezes)
• Nunca use um termo em inglês ou em jargão científico quando conseguir substituir por algo mais corriqueiro, simples de ser entendido
• Se necessário, quebre qualquer uma dessas regras para evitar dizer algo que soe tosco
• Tudo bem que não há um livro de receitas para se escrever livros – mas não custa nada beber um pouco da sabedoria dos que já trilharam, com sucesso, o caminho que estamos buscando. Não é verdade?
Tchekhov dizia que, se um revólver aparecesse em uma cena qualquer de uma história, é porque ele eventualmente seria disparado.
Histórias, ao menos sob a ótica do mestre russo, não tinham espaço para elementos supérfluos, para desnecessidades. Nas histórias, tudo devia ser calculado, medido, intercalado em uma relação simbiótica de causas e consequências.
Tudo devia ser construído para conduzir a concentração do leitor pela imaginação do autor: qualquer possível desvio, qualquer brecha deixada por descuido poderia soprar a imaginação do leitor para longe, fazendo-o criar versões paralelas repletas de “se’s” e costurar hipóteses que seriam, em essência, estradas abertas para a total perda de interesse no enredo real.
Tchekhov morreu em 1904.
Anos depois, um outro mestre da literatura, o japonês Haruki Murakami, publicou a sua obra prima 1Q84 – uma espécie de thriller psicometafísico tão impressionante que as suas 1.500 páginas terminam quase que em um susto só, deixando um surpreendente gosto de “quero mais”.
Em um ponto específico da história, um personagem entrega um revólver para uma amiga mencionando a “Lei de Tchekhov” e, portanto, profetizando que ela eventualmente atiraria em alguém. Ela teria que atirar, afinal.
E, no livro, há oportunidades para isso. Inúmeras.
A personagem, Aomami, chega a um ponto em que a arma vira quase uma extensão de seu próprio corpo. Mas… o livro chega ao fim e o revólver nunca cumpre o papel para o qual foi criado.
Alguns podem argumentar que, talvez, o papel do revólver tenha sido justamente esse: o de representar algo, de agregar alguma sensação de segurança para guiar a personagem pelo sempre tenso enredo. Talvez a sua própria existência tenha sido uma espécie de fim em si mesmo.
O fato, todavia, é que tanto na arte quanto na vida, histórias são invariavelmente resultados dos seus tempos.
Na Rússia do final do século XIX – a mesma de Tolstoi e Gorki, diga-se de passagem – a vida real era tão rústica e prática que uma arma não disparada simplesmente não faria sentido em nenhuma história: geraria estranheza, angústia, incômodo. No passado, tudo tinha um motivo de ser, um destino a ser cumprido – e a arte, enquanto mímica da vida, não poderia ser diferente.
Hoje, nossos tempos são outros.
Hoje, lemos livros enquanto prestamos atenção na estação de metrô que devemos saltar, assistimos à televisão enquanto navegamos no Facebook e escrevemos as nossas histórias enquanto absorvemos as críticas feitas em tempo real sobre seus trechos inacabados.
O autor de hoje é tão multitarefa quanto seu leitor: vive escolhendo, a cada piscar de olhos, a que deve prestar atenção e o que deve ignorar. Hoje, portanto, todos estamos acostumados não a uma, mas a toda uma coleção de “desnecessidades” supérfluas nos cenários das nossas vidas reais. Nossas vidas reais, arriscaríamos dizer, são muito mais recheadas de coisas supérfluas do que de elementos que realmente fazem parte dos nossos destinos.
O próprio conceito de destino mudou: de algo pre-determinado e imutável ele se metamorfoseou em algo essencialmente volúvel, dependente das pequenas escolhas nossas de cada dia.
No mundo de Tchekhov, um revólver não faria sentido se não fosse disparado. Era a finalidade que definia o ser, o objeto.
No mundo de Murakami, no nosso mundo atual, basta que um revólver exista para que sua função seja cumprida. O objeto em si é também a sua própria finalidade.
E isso muda toda a forma com que interpretamos as grandes obras dos nossos tempos de uma maneira revolucionária, somando sutilezas nos enredos que tendem a acrescentar muito mais sentido a cada capítulo, a emprestar muito mais realidade à ficção.
Para quem costuma achar que a “boa literatura” já estava morta (algo infelizmente corroborado por fatos como Bob Dylan receber o Nobel ou José Sarney ser membro da Academia Brasileira de Letras), é bom despir-se de preconceitos e ler novos livros com novos olhos.
As obras primas de hoje são muito mais complexas, sutis e densas que as do passado: os novos autores estão revolucionando a literatura como em nenhum outro tempo da nossa história.
O que isso tudo importa para você, escritor?
Simples: seja simples, mas não simplório, na construção de seus cenários e de suas tramas. Se quiser, acrescente objetos que sirvam apenas para agregar valor ao contexto – mas cuidado para não deixar o seu leitor perdido, com uma interrogação presa na mente.
Você não precisa seguir à risca a Lei de Tchekhov – mas isso não significa que precise também desprezá-la completamente.
Não: um original escrito deve ser considerado como um rascunho do que o seu livro realmente será.
Há ainda outros pontos que precisam ser endereçados antes dele ser efetivamente lançado, incluindo leitura crítica, revisão ortográfica e gramatical, capa e diagramação, ISBN etc.
Saiba como registrar um livroMas esse é um segundo passo, dado apenas depois que seu livro estiver devidamente escrito e que você se sentir razoavelmente confortável com o resultado.
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